Hong Kong, Panamá e Baamas valem metade das transferências para offshores

Dinheiro que saiu de Portugal para paraísos fiscais de 2010 a 2014 envolveu mais de 43 mil transferências de empresas e particulares. Panamá é o quarto destino, mas no acumulado dos cinco anos aparece em segundo.

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Para contas nas Baamas foram transferidos de Portugal 1295 milhões entre 2010 e 2014 Nuno Ferreira Santos

Grande parte do dinheiro que sai de Portugal para ser aplicado em sociedades offshore está concentrado num pequeno número de paraísos fiscais. Ao longo de cinco anos, de 2010 a 2014, houve transferências para 59 territórios, mas quase metade das aplicações foi colocada em apenas três jurisdições: Hong Kong, Panamá e Baamas.

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As estatísticas da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), divulgadas nesta quinta-feira pelo PÚBLICO e entretanto publicadas no Portal das Finanças, mostram que ao longo daqueles anos foram colocados em offshores 10.200 milhões de euros, envolvendo cerca de 43.100 transferências.

Os dados foram compilados pelo fisco com base na informação que os bancos enviam todos os anos à AT a dar conta das operações realizadas para fora de Portugal no ano anterior. Até agora conheciam-se os valores referentes a 2009, mas depois disso não houve actualizações e só agora foram conhecidos os valores seguintes, até 2014, com a divulgação destes dados por parte das Finanças.

Dos mais de dez mil milhões de euros de transferências realizadas de 2010 a 2014, mais de 4900 milhões de euros (49% do total) tiveram como destino aqueles três centros financeiros, todos eles pertencentes à lista de países considerados na Europa como “jurisdições fiscais não cooperantes”.

Hong Kong é simultaneamente o território com maior número de transferências e mais dinheiro envolvido ao longo de cincos anos. Na região administrativa especial da China foram aplicados 2367 milhões de euros. Hong Kong foi consecutivamente o destino preferencial em 2011, 2012, 2013 e 2014. Só em 2010 havia mais dinheiro transferido para as Antilhas Holandesas, o Panamá e o Luxemburgo.

Hong Kong aparece destacado nestes cinco anos, captando transferências no valor de 2367 milhões de euros; em segundo lugar surge o Panamá, o destino de 1301 milhões de euros, e a seguir aparecem as Baamas, com 1295 milhões em cinco anos.

O Panamá, sede da sociedade de advogados que está no centro das revelações dos Panama Papers, a Mossack Fonseca, aparece em segundo na lista por causa da dimensão das transferências realizadas em 2010 e 2011, altura em que as aplicações enviadas de Portugal superaram os 500 milhões de euros em cada ano.

Já nos três anos seguintes as transferências diminuíram: o país centro-americano continuou a ser um dos principais destinos, mas em 2012 e 2013 já aparece em quarto lugar. E em 2014 foi o quinto destino. À frente estão agora Hong Kong, Ilhas Caimão, Emirados Árabes Unidos, e as ilhas de Trindade e Tobago. Quanto ao número de transferências, foram realizadas 1826 operações para contas no Panamá ao longo daqueles cinco anos.

O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre os passos dados pela AT para garantir que os rendimentos relevantes nestas transferências são tributados pela administração fiscal portuguesa e qual é o tipo de controlo que Portugal tem em relação às transferências dos paraísos fiscais para Portugal, mas não obteve resposta.

Até agora só eram conhecidos os valores de 2009, publicados em 2010 pelo então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Sérgio Vasques, que assinou na altura um despacho a ordenar a divulgação dos dados estatísticos da Zona Franca da Madeira e dos fluxos financeiros de Portugal para paraísos fiscais. No entanto, no ano seguinte é colocada uma providência cautelar para travar a divulgação dos dados do Centro Internacional de Negócios da Madeira. E as estatísticas, tanto da Madeira como dos outros territórios, acabaram por não ser divulgados em 2011, ano de transição do Governo de José Sócrates para o executivo de Passos Coelho. Depois disso, o secretário de Estado do CDS Paulo Núncio também não os divulgou, algo que só agora aconteceu, com o actual secretário de Estado, Fernando Rocha Andrade, a mandar publicar estas informações depois de estalar a polémica do Panama Papers.

Nesta quinta-feira, aliás, o tema da luta contra a evasão fiscal entrou em força no debate quinzenal e, à noite, seria aprovado no Conselho de Ministros um pacote de medidas para alargar a resposta do fisco na luta contra a fraude e evasão fiscal, reforçando a possibilidade de troca automática de informações tributária com as administrações fiscais de outros países.

No Parlamento, a porta-voz do BE Catarina Martins desafiou o primeiro-ministro a apoiar as propostas legislativas apresentadas pelos bloquistas no Parlamento sobre os offshoresAntónio Costa enumerou várias medidas de transparência em matéria fiscal já tomadas ou a implementar, e sublinhou que o Bloco não está sozinho nesta matéria. “Pode contar com o Governo para combater os offshores”, assegurou Costa.

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Na Europa ainda não há uma “lista negra” única de paraísos fiscais, mas o tema tem estado na agenda da Comissão Europeia. Bruxelas reuniu as listas elaboradas por cada país e publicou essa informação, enumerando quais são os territórios que os 28 países europeus consideram como “não cooperantes” fora da UE. É uma lista limitada, porque na Europa há vários países conhecidos por serem verdadeiros centros financeiros com práticas fiscais agressivas.

O assunto tem sido tema corrente no Parlamento Europeu, à boleia da pressão mediática criada com a divulgação sucessiva de escândalos fiscais pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ). Deputados da Comissão especial do Parlamento Europeu que está a debater medidas contra as práticas fiscais agressivas, têm reclamado uma definição mais clara sobre o que são paraísos fiscais, com critérios objectivos. A eurodeputada do PS Elisa Ferreira, co-autora do relatório da primeira comissão TAXE de onde saiu um conjunto alargado de recomendações ao Conselho e à Comissão, tem pedido aos Governos europeus uma resposta mais enérgica contra a evasão fiscal e a favor de uma maior cooperação fiscal a nível europeu. Uma das propostas que voltou à baila depois das revelações do Panamá foi a de a Europa avançar com uma lista de sanções contra quem opere com paraísos fiscais. com Maria Lopes

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