Os “autores” do Indie fazem a festa

Homenageados em 2015, Whit Stillman abre e Mia Hansen-Løve fecha a edição 2016 do festival lisboeta. Para os directores, a aposta nos autores é um “serviço público”.

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Com Amor e Amizade, adaptando Jane Austen, Whit Stillman, autor “de culto”, pode subir ao patamar superior DR

“Estava no outro dia a olhar para a programação deste ano e é engraçado ver como parece que não passou tempo nenhum, mas já passaram 13 anos...” Nuno Sena, director do IndieLisboa, reflecte assim sobre a edição deste ano. A abertura oficial (esta quarta-feira às 21h30 no cinema São Jorge) faz-se com Amor e Amizade do americano Whit Stillman, e o encerramento (domingo 1 de Maio às 21h30 na Culturgest) com L’Avenir da francesa Mia Hansen-Løve – dois “autores do Indie” que foram, em 2015, os Heróis Independentes, alvo de retrospectiva integral, e que vêem os seus novos filmes celebrados na edição 2016. (É uma boa definição para explicar a relação do Indie com o cinema: amor pelos filmes, amizade pelos cineastas, o futuro sempre à vista.)

Claro que há uma dimensão circunstancial nestas escolhas, decorrente da coincidência dos dois cineastas terem filmes novos com estreia garantida nas salas portuguesas (Junho próximo). Mas “foi uma circunstância muito trabalhada, que deu muito trabalho conseguir,” diz Sena. “Gostamos muito dessas rimas, e quando é possível faz todo o sentido. Neste caso, a ideia foi fechar aquilo que iniciámos o ano passado, um posfácio relativamente às integrais.” Que corresponde também ao ponto em que Hansen-Løve e Stillman têm o momento de maior visibilidade da sua carreira.

L’Avenir, seleccionado para o Festival de Berlim, põe Mia Hansen-Løve a trabalhar com uma actriz de primeira grandeza, Isabelle Huppert, e a aceder à “primeira liga” dos festivais sem mexer nas coordenadas do seu cinema discreto e atento – saindo do certame alemão com o prémio de Melhor Realização e algumas das melhores críticas da sua carreira. Já Amor e Amizade, estreado no festival americano Sundance, marca o ponto em que Whit Stillman, até aqui autor “de culto” cuja carreira sofreu longo interregno, pode subir ao patamar superior. Esta adaptação de uma novela de Jane Austen articula-se na perfeição com as suas comédias estilizadas da alta sociedade americana, com a popularidade inesgotável da escritora britânica a abrir avenidas de divulgação que os filmes do cineasta até aqui não conseguiam trilhar. (Não é preciso ir mais longe, Amor e Amizade é a primeira das cinco longas de Stillman a ter estreia em Portugal - o caso oposto de Mia Hansen-Løve, de quem só a primeira longa, Tout est pardonné, ficou por chegar cá.)

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Kate Beckinsale como Lady Susan Vernon em Amor e Amizade

Sendo esta a rima mais evidente, não é a única de uma edição 2016 cheia de “autores do Indie” que têm recorrido ao longo dos anos. Nuno Sena aponta um exemplo curiosíssimo: “Na primeira edição, em 2004, o festival premiou o Sérgio Tréfaut [melhor longa portuguesa para Lisboetas] e o Eugène Green [melhor longa internacional para Le Monde vivant]. Este ano, temos a concurso o novo filme do Sérgio Tréfaut, Treblinka, e fora de concurso o novo filme do Eugène Green, Le Fils de Joseph...” Apressa-se a reforçar que o Indie não é um festival fechado à novidade (não era preciso, o programa 2016 está cheio de estreantes). “Há de facto muitos autores que voltam, mas gosto também de ver que vamos  mostrar autores que já andavam debaixo de olho há algum tempo – o Roberto Minervini, o Robert Greene, o Rick Alverson… Acrescenta-se sempre qualquer coisa.”

Esse trabalho em continuidade é algo que sublinha como “essencial” à natureza do festival. “O Indie entra nas memórias cinéfilas de quem tenha acompanhado o festival ao longo destes anos,” explica. “Há espectadores que descobriram um autor ou uma cinematografia inteira, como o cinema romeno por exemplo, a partir do Indie. Nesse sentido, [o nosso trabalho] serviu para alguma coisa. Mas a questão é não parar. E às tantas percebes que as coisas começam a encaixar. O facto de termos mostrado em primeira mão o Xavier Dolan ou a Kelly Reichardt, e depois dois ou três anos mais tarde haver um distribuidor que pega neles, mostra que há qualquer coisa que passa e já não tem só a ver connosco. Uma espécie de serviço público que é continuado por outros, até com outro tipo de impacto.”

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