Dilma foi tramada por um “gangster” chamado Eduardo Cunha

Não haveria impeachment se não fosse pelo presidente da Câmara dos Deputados. O seu estado de graça no Congresso pode valer-lhe amnistia, mesmo que enfrente uma montanha de indícios de corrupção.

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Eduardo Cunha na sessão de avaliação do impeachment de sábado. Ueslei Marcelino/Reuters

Eduardo Cunha é repudiado pelos brasileiros. O percurso político do presidente da Câmara dos Deputados está longe de ser brilhante, os seus aliados são circunstanciais, nos corredores do poder é olhado com desconfiança e tem pela frente uma montanha de indícios que o ligam à rede que se aproveitou da Petrobras para construir fortunas ilegais. Três em cada quatro brasileiros dizem que deve ser afastado do Congresso e impedido temporariamente de ocupar cargos políticos. Mas nem a aparente corrupção ou a evidente desconfiança impediu que Cunha comandasse durante meses o processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Nem que no domingo se sagrasse num dos grandes vencedores da sessão que aprovou a destituição da Presidente.

É impossível falar do impeachment contra Dilma sem abordar a ascensão de Eduardo Cunha. Ninguém sabe operar os bastidores do Congresso como ele e só assim se consegue explicar a sua surpreendente vitória para presidente da Câmara dos Deputados em 2015, mesmo quando Governo e aliados, entre os quais na altura ainda se contava o PMDB, o partido de Cunha, manobravam votos a favor de um veterano do Partido dos Trabalhadores (PT). O melhor que Cunha conseguira na sua vida política até esse momento fora chefiar a operadora telefónica do Rio de Janeiro. Valeu-lhe para isso ter apoiado Collor de Melo na sua campanha de 1989, que o apontou para o cargo. O seu extremo conservadorismo religioso fez o resto: foi eleito três vezes para deputado com o poderoso voto evangélico.

A chave do seu sucesso foi mobilizar a frustração do “baixo clero da Câmara”, que se sentia alheado das grandes decisões, como escreveu então o jornalista Juan Arias, no El País. “[Cunha] é mais esperto do que sábio e a força da sua biografia é precisamente não tê-la, excepto por sua vontade de querer vencer. Com isso é mais fácil transitar pelos corredores dos deputados, lugares nos quais um jornalista nunca aparece para entrevistá-los”, explicava no diário espanhol. Apesar de pertencer ao PMDB, Cunha chegou líder da câmara baixa do Congresso mais como opositor do que aliado, dizendo-se desconfiado da “forte posição ideológica” do Governo — ele próprio esteve por detrás de algumas das propostas mais conservadoras do Congresso, como dificultar o aborto em casos de violação ou o “Dia do Orgulho Heterossexual”.

O deputado rompeu por completo com o Governo em Julho de 2015. A investigação à rede de corrupção na Petrobras revelou indícios de que Cunha recebera um suborno de cinco milhões de dólares para viabilizar a contratação de um estaleiro da empresa Samsung Heavy Industries. A Procuradoria anunciou para além disso que Cunha tinha contas na Suíça, com “despesas completamente incompatíveis com os rendimentos lícitos” do deputado. Numa viagem de a Miami com a família para a passagem de ano de 2013, por exemplo, Cunha gastou em nove dias mais de 42 mil dólares, quando o seu salário de então não ultrapassava os cinco mil por mês. Cunha disse que estava a ser perseguido pelo procurador-geral da República sob ordens da Presidente Dilma. Anunciou que passava para a oposição, mas não avançou imediatamente com o processo de impeachment.

Amnistia para Cunha?

Fê-lo apenas depois de três deputados do PT votarem a favor da abertura de um processo no Conselho de Ética que pode terminar com a cassação do seu mandato no Congresso. O presidente da câmara baixa, que tinha consigo há meses vários pedidos para abrir um impeachment contra Dilma, decidiu avançar apenas duas horas depois de os deputados anunciarem a sua decisão — agindo, aliás, contra as indicações do Governo, que temia uma guerra em aberto. A partir desse momento, Cunha manobrou o Congresso de maneira a acelerar o processo contra Dilma e atrasar o seu próprio processo de ética: os deputados foram chamados a sessões diárias para decidir o impeachment, enquanto no Conselho a ordem de trabalhos se demorou com adiamentos e recursos.

Eduardo Cunha goza de imunidade parlamentar — “foro privilegiado” — e a investigação ao seu envolvimento na rede de corrupção da Petrobras só pode ser avaliada pelo Supremo Tribunal Federal, que deve deliberar em breve sobre se o deputado deve perder ou não o cargo de presidente da Câmara de Deputados enquanto decorre o processo, como pediu a Procuradoria-Geral da República. Já o Conselho de Ética está há quase 180 dias para decidir se Cunha violou o decoro parlamentar quando mentiu a uma Comissão Parlamentar de Inquérito dizendo que não tinha contas no estrangeiro. Cunha pode perder o cargo de deputado e também a imunidade, o que atiraria o seu caso para os tribunais regulares. Mas a saída do deputado que dirigia o processo no Congresso — o crítico Fausto Pinato, ameaçado em Novembro por dois motociclistas que disseram para “colaborar com a situação” — mudou o equilíbrio no Conselho de Ética a favor de Cunha.

“Você é um gangster, o que dá sustentação ao seu posto cheira a enxofre”, atirou Glauber Braga, quando votava domingo contra a destituição de Dilma, diante Eduardo Cunha. Não foi o único. Vários deputados, mesmo alguns que votaram a favor do afastamento da Presidente, apontaram-lhe o dedo dizendo que a seguir seria ele a abandonar o seu cargo. Mas Cunha vive em estado de graça graças ao sucesso da campanha contra Dilma e nesta segunda-feira recebeu o apoio de vários elementos do Conselho de Ética — metade dos quais está envolvida em processos judiciais —, defendendo em público que o presidente da Câmara não deve perder o mandato. “Está-se confirmando o que nós já sabíamos: é uma grande farsa e eu não ficaria nem um pouco surpreso se ele fosse amnistiado pelo Conselho”, afirmou ao El País o deputado  Chico Alencar, do PSOL, opositor de Cunha.

Há quem argumente que Cunha deve abandonar voluntariamente a presidência da Câmara para não contaminar uma hipotética presidência de Michel Temer. Enquanto não o fizer, porém, continuará a ser o terceiro na linha da sucessão da presidência, o que pode fazer em breve de Cunha o "vice" informal de Temer e o segundo homem mais poderoso no país.    

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