O que é um processo de impeachment e o que vai acontecer a seguir

O que é um processo de impeachment?

O impeachment é uma figura prevista na Constituição brasileira e refere-se a um processo de retirada do mandato de qualquer chefe do poder executivo – municipal, estadual ou federal – que é julgado pelo poder legislativo. Para o mecanismo ser desencadeado, tem de haver uma denúncia (que pode ser apresentada por qualquer pessoa) de crime: crimes comuns praticados pelo detentor do cargo; violação da Constituição, das leis orçamentais ou da segurança nacional; mau uso do dinheiro público, abuso de poder ou falta de integridade. O que está em curso no Brasil é um pedido de destituição da Presidente Dilma Rousseff.

Que acusações foram apresentadas no actual processo contra a Presidente?

Dilma Rousseff foi acusada de alegadamente ter violado a Lei de Responsabilidade Fiscal ao assinar decretos de crédito suplementar sem a correspondente autorização do Congresso. Foi ainda responsabilizada pelas chamadas “pedaladas fiscais”, isto é, a manipulação das contas públicas pelo recurso ao crédito dos bancos estatais para o financiamento de programas sociais (como o famoso Bolsa Família) com implicação no orçamento de Estado.

Segundo os artigos 10 e 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal, é crime de responsabilidade atentar contra a lei orçamental e contra a “guarda e emprego legal dos dinheiros públicos”, como se argumenta que aconteceu no caso dos decretos, e também “contraindo empréstimos, emitindo moeda corrente ou apólices ou efectuando operação de crédito sem autorização legal”, como se alega foi o caso com a contracção de empréstimos junto de bancos controlados pelo Estado.

Qual foi a conclusão do relator do parecer do impeachment na Câmara?

O parecer de 180 páginas, da autoria do deputado do PTB Jovair Arantes, diz que existem suficientes indícios de crime de responsabilidade para julgar a Presidente. Em concreto, o relator aponta a emissão de seis decretos de crédito suplementar em 2015, e uma “pedalada fiscal”, no mesmo ano, como “graves violações de valores ético-jurídicos que fundamentam e legitimas o exercício do poder estatal”. “A magnitude e o alcance das violações praticadas pela Presidente da República, em quebra da confiança que lhe foi depositada, justificam a abertura do excepcional mecanismo presidencialista do impeachment”, escreveu.

Qual é a defesa da Presidente do Brasil?

Segundo alega o Planalto, os decretos assinados pela Presidente não corresponderam a um aumento da despesa pública, e aconteceram por solicitação de órgãos judiciais, incluindo o Tribunal de Contas da União, na sequência de pareceres técnicos. Argumenta ainda que esses decretos não carecem de autorização do Congresso. Quanto às pedaladas fiscais, a defesa de Dilma explica que se trataram de atrasos de pagamentos e não de empréstimos – foram manobras contabilísticas praticadas no passado com o aval do Tribunal de Contas e do Congresso.

O caso tem alguma coisa a ver com a operação Lava Jato?

Não. O processo de impeachment é um procedimento político-jurídico que corre no Congresso brasileiro, e a Lava Jato é uma investigação judicial, já com vários inquéritos associados, à rede de corrupção em torno da empresa petrolífera estatal Petrobras. As autoridades brasileiras descobriram um esquema complexo de pagamentos ilícitos, trocas de favores e lavagem de dinheiro, envolvendo partidos políticos, empresas de construção, que interagiram com a petrolífera. Entre 2003 e 2010, Dilma Rousseff presidiu ao conselho de administração da Petrobras.

A Presidente está acusada de corrupção?

Não. Dilma Rousseff não está, por enquanto, implicada no escândalo do Petrolão, como foi baptizado pela imprensa brasileira. As acusações que pendem contra ela no processo do impeachment também não se referem a crimes de corrupção, mas exclusivamente à alegada violação da Lei da Responsabilidade Fiscal.

Há intervenientes do impeachment implicados no esquema de corrupção descoberto pela Lava Jato?

Sim. O nome mais sonante é o do presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, que está sob investigação por se ter apropriado indevidamente de milhões de dólares. O seu envolvimento no Petrolão foi confirmado por vários delatores, que confirmaram terem-lhe entregue cinco milhões de dólares em subornos; a justiça entretanto obteve informações relativas a contas secretas mantidas por Cunha no estrangeiro - avultados depósitos cuja existência Cunha negou a uma comissão parlamentar de inquérito. O nome do presidente da Câmara vem também mencionado nos Panama Papers como detentor de contas offshore.

Podem deputados suspeitos de corrupção avaliar a conduta da Presidente?

Sim – embora a questão da legitimidade moral seja frequentemente levantada. Dos 38 deputados que votaram a favor do relatório para a abertura do impeachment contra Dilma, 21 têm “pendências judiciais”, isto é, estão a contas com a justiça brasileira por crimes diversos. Aliás, mais de 60% dos membros da Câmara de Deputados estão sob investigação ou foram já constituídos arguidos em processos que vão desde corrupção, lavagem de dinheiro e fraude eleitoral e tortura ou exploração de mão de obra escrava.

Quais os passos seguintes depois da votação do parecer do impeachment pela Câmara de Deputados?

Sem uma maioria qualificada de dois terços, ou seja, de 342 dos 513 deputados, a favor do impeachment, o caso é encerrado (e não há recurso dessa decisão). Se for alcançada a maioria a favor da abertura do processo de destituição, o caso avança para o Senado. Na câmara alta, repetem-se os procedimentos que já foram cumpridos pelos deputados: é instalada uma comissão especial para avaliar o pedido e emitir um parecer, a favor ou contra o impeachment, que depois vai a votação. São necessários os votos de uma maioria simples de senadores, 41 em 81, para o processo ser instaurado.

O voto do Senado é decisivo?

Sim. Se o plenário do Senado chumbar o pedido, o caso é arquivado (mais uma vez, não há possibilidade de recurso). Se acolher o pedido, o processo é oficialmente instaurado e a Presidente é suspensa do cargo para que se realize o julgamento, que é dirigido pelo presidente do Supremo Tribunal, Ricardo Lewandowski. Nos 180 dias previstos para o julgamento, a presidência é assumida interinamente pelo vice-presidente, Michel Temer. O julgamento pode ultrapassar esse limite, mas após 180 dias Dilma reassume funções. Para condenar a Presidente, é precisa uma maioria de dois terços dos senadores.

Existem outros processos pendentes contra Dilma Rousseff?

Sim. O processo que está em curso é apenas um de vários pedidos de impeachment de Dilma que deram entrada na Câmara de Deputados. Eduardo Cunha já arquivou quatro pedidos, mas ainda existem outros na calha, nomeadamente um que foi entregue pela Ordem dos Advogados Brasileiros.

Existe, ainda, um outro processo paralelo a correr no Tribunal Superior Eleitoral do Brasil, a partir de uma queixa do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB, da oposição) por alegadas irregularidades e possíveis ilegalidades nas contas da campanha presidencial de Dilma Rousseff e do Partido dos Trabalhadores. O PSDB pediu ao tribunal para investigar denúncias de abuso de poder económico e político na campanha, e reconstituir o rasto do dinheiro que financiou a reeleição de Dilma, suspeito de ter sido desviado pelo esquema de corrupção da Petrobras. Este processo, que nada tem a ver com impeachment, pode resultar na cassação do mandato da Presidente, e também do seu vice-presidente, Michel Temer.

O que pode acontecer à Presidente?

Se Dilma for considerada culpada, perde o cargo e fica inabilitada de exercer qualquer função pública durante cinco anos. Fica também proibida de se candidatar a qualquer cargo durante oito anos. Além disso, pode ainda ser julgada pela justiça ordinária se estiverem em causa crimes comuns. No caso de destituição, o vice-presidente assume definitivamente o cargo até à conclusão do mandato, em 2018.

Se o veredicto do Senado for inocente, Dilma poderá cumprir o mandato até ao fim.

A Presidente pode renunciar ao cargo?

Sim. Foi o que fez Fernando Collor de Mello em 1992, que abriu mão da Presidência horas antes da votação do impeachment no Senado (que apesar da demissão, levou a votação adiante e o condenou por corrupção). Mas Dilma Rousseff disse, repetidamente, que não tenciona renunciar.

Porque é que a Presidente e os seus apoiantes descrevem o pedido de impeachment como um “golpe”?

Os apoiantes da Presidente criticam as bases que sustentam o processo e que, sublinham, não incluem provas de má-fé ou de ilegalidades; classificam as acusações de “irreais” e especulam que todo o caso foi montado com o objectivo de conquistar o poder ilegitimamente, sem recurso a eleições. Algumas vozes dizem que se trata de uma conspiração de suspeitos da Lava Jato para assumir o Governo e travar as investigações.

Pode haver eleições no fim deste processo?

É muito pouco provável, mas pode acontecer. O que está previsto, em caso de impeachment ou renúncia da Presidente, é que o cargo seja assumido pelo vice-presidente até ao final do mandato. Se este também não puder garantir o exercício do cargo – por destituição, renúncia ou morte – a lei estabelece que a função passa para o presidente da Câmara de Deputados, que fica com a responsabilidade de convocar novas eleições directas em 90 dias (se ainda não tiverem corrido dois anos do início do mandato) ou de convocar o Congresso para escolher o novo Presidente por votação (se já se estiver nos últimos dois anos do mandato).

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