Maiores multinacionais americanas têm 1,4 biliões de dólares em paraísos fiscais

Relatório da organização Oxfam faz apelo aos líderes políticos mundiais: governos de todo o mundo, uni-vos para acabar com os offshore.

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No Panamá está sediada a Mossack Fonseca, na origem dos documentos do consórcio de jornalistas RODRIGO ARANGUA/AFP

As 50 maiores empresas norte-americanas, entre elas a Goldman Sachs, a Apple, a IBM ou a Chevron, têm mais de 1600 subsidiárias sediadas em paraísos fiscais, onde colocaram 1,4 biliões (milhões de milhões) de dólares, cerca de 1,2 biliões de euros. As contas são da organização humanitária Oxfam, que no rescaldo do caso Panama Papers volta pressionar os líderes políticos mundiais a acabar com os centros financeiros onde estão sediados os offshores.

Reagindo às revelações do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI), a Oxfam dos Estados Unidos publicou nesta quinta-feira um relatório no qual chama a atenção para as práticas fiscais usadas pelas grandes multinacionais para pagarem menos impostos. É um tema que a organização não-governamental há muito acompanha e que agora retoma, lembrando que 90% das maiores 200 empresas mundiais têm sociedades registadas em paraísos fiscais.

Os números da Oxfam referem-se ao período de 2008 a 2014. Eis alguns números que compõem o retrato das 50 maiores empresas: pagaram um bilião (milhões de milhões) de dólares em impostos, dos quais 412 mil milhões para o governo central; pagaram uma taxa efectiva de 26,5%, 8,5 pontos abaixo da taxa legal de 35%; em empréstimos, garantias, assistência financeira receberam do governo federal 11,2 biliões (milhões de milhões) de dólares; os incentivos fiscais foram de 337 mil milhões de dólares. “Ironicamente, estas mesmas empresas, que dispõem de um batalhão multimilionário de lobbyistas para influenciar a política federal, estão entre os maiores beneficiários de apoios suportados pelos contribuintes”, aponta a Oxfam no relatório.

Alertando que “o fosso entre ricos e pobres está a atingir novos patamares”, a organização considera que “os ganhos do crescimento económico ao longo das últimas décadas estão a ir desproporcionalmente para quem já é rico”. Para a organização, prova-o o facto de as maiores empresas usarem “offshores em paraísos fiscais e outras práticas agressivas e secretas, para reduzirem drasticamente os impostos sobre as empresas nos Estados Unidos e países em desenvolvimento”.

O relatório inclui a lista das 50 multinacionais,entre as quais se contam várias instituições financeiras — o Bank of America, o Citigroup, o JPMorgan Chase ou a Goldman Sachs —, o grupo automóvel Ford, a fabricante  aeronáutica Boeing, a petrolífera Exxon Mobil, a Coca-Cola, a Apple, a Intel e a IBM.

Apelo a Obama

Robbie Silverman, perito fiscal da Oxfam, pede para os líderes políticos mundiais não desperdiçarem a oportunidade neste momento em que as pessoas estão mais despertas para o problema, depois das revelações dos Panama Papers envolvendo empresários, figuras da política, seus familiares, pessoas próximas ou empresários. “Mais uma vez, temos provas do generalizado abuso sistemático do sistema tributário a nível global. Não podemos continuar a assistir a uma situação em que os ricos e os poderosos não pagam a parte justa dos seus impostos, deixando a factura para os outros. Os governos do mundo inteiro têm de se unir neste momento para acabar com a ‘era’ dos paraísos fiscais.”

A mensagem vai directa para Barack Obama e o Congresso, ao qual pede uma “verdadeira reforma” do sistema tributário. Mas a Oxfam deixa também um recado às multinacionais, notando que elas “não precisam de esperar pela acção do Congresso para dar os primeiros passos para pagarem a sua parte justa dos impostos”.

Este é um apelo que a organização humanitária não se tem cansado de repetir. Para dar a dimensão do universo dos paraísos fiscais, a ONG já uma vez fez uma comparação impressionante: a perda de receita fiscal dos Estados a nível mundial com os paraísos fiscais — algo que a organização calculava há três anos ser de 14 biliões de euros — daria “para acabar duas vezes com a pobreza extrema no mundo”. Nos Estados Unidos, estima a Oxfam, as receitas perdidas em impostos que poderiam ser cobradas às multinacionais rondam 111 mil milhões de dólares por ano.

A organização recomenda ao Congresso norte-americano que aprove um projecto apresentado em Janeiro de 2013 contra os paraísos fiscais, o Stop Tax Haven Abuse Act, e que ponha de pé medidas para forçar todas as multinacionais norte-americanas a estarem sediadas nos EUA.

Na Europa, o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, e o comissário europeu para os Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, defendem que a Europa deve avançar com a criação de uma “lista negra única” dos paraísos fiscais, em vez do sistema actual, em que cada país pode ter a sua (Portugal listou 85 territórios, fez saber a Comissão Europeia esta semana).

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