Boko Haram utiliza cada vez mais crianças em ataques suicidas

Relatório da UNICEF afirma que um em cada cinco ataques suicidas protagonizados pelo grupo extemista nigeriano são realizados por crianças.

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Talatu John, uma menina nigeriana de 11 anos, escapou ao Boko Haram e vive agora num campo de refugiados no Norte dos Camarões AFP PHOTO/UNICEF

No último ano, o número de crianças utilizadas em ataques suicidas pelo grupo islamista radical Boko Haram aumentou significativamente, com um em cada cinco destes ataques a ser levado a cabo por crianças, denuncia a UNICEF.

Num relatório divulgado esta terça-feira pela agência das Nações Unidas para a protecção da infância é referido que, em 2014, o grupo extremista nigeriano utilizou quatro crianças nestes atentados, enquanto em 2015 o número aumentou onze vezes, subindo para um total de 44 ataques suicidas levados a cabo por crianças. Destas, 75% eram raparigas.  

“A utilização de crianças, especialmente de raparigas, enquanto bombistas suicidas tornou-se uma característica definitiva e alarmante deste conflito”, afirmou Laurent Duvillier, porta-voz regional da UNICEF, à Reuters. “Muitas destas crianças provavelmente não sabem que carregam consigo explosivos, muitas vezes detonados remotamente”, acrescentou.

Os ataques suicidas têm-se alastrado para além da Nigéria, com os vizinhos Camarões, Chade e Níger a serem cada vez mais um alvo preferencial dos jihadistas nigerianos que em 2015 juraram fidelidade ao autodesignado Estado Islâmico. Dos 151 ataques realizados no ano passado nestes quatro países, 89 deles foram executados na Nigéria, 39 nos Camarões, 16 no Chade e 7 no Níger. De acordo com o relatório da UNICEF, os Camarões são o país que regista o maior número de ataques suicidas que envolvem crianças, contabilizando um total de 21. Segue-se a Nigéria com 17 casos, e o Chade com dois.

“Sejamos claros: estas crianças são vítimas, não autoras de crimes,” afirmou Manuel Fontaine, director regional da UNICEF para a África Central e Ocidental, em comunicado. “Ludibriar crianças e forçá-las a praticar actos mortais tem sido um dos aspectos mais aterradores da violência na Nigéria e nos países vizinhos.”

Esta táctica tem-se revelado eficaz no aumento do número de vítimas, uma vez que, normalmente, as pessoas não vêem as crianças como uma ameaça. Mas esta não é a única explicação para o facto de o número de crianças utilizadas como bombistas suicidas pelo grupo extremista estar a aumentar. Segundo os especialistas, o Boko Haram está cada vez mais enfraquecido, nomeadamente desde que o Exército nigeriano começou a lançar ofensivas militares contra o grupo, no ano passado. 

“O uso crescente de raparigas nas suas acções, não mostra senão o enfraquecimento do Boko Haram, que está cada vez mais encurralado”, afirmou Bakary Sambe, especialista em jihadismo na África Ocidental e investigador do observatório de radicalismos e conflitos religiosos em África do Timbuktu Institute de Dakar, ao El País. “A sua capacidade para lançar grandes ataques é muito reduzida, por isso, procuram alvos fáceis, utilizando raparigas como bombistas suicidas”, acrescentou.

O relatório da UNICEF, divulgado perto da data em que se assinalam dois anos desde que o Boko Haram raptou mais de 200 estudantes nigerianas numa escola em Chibok, no nordeste da Nigéria, chama também a atenção para as consequências do uso premeditado de crianças pelo grupo extremista. Muitas destas crianças - as que conseguiram fugir ou foram libertadas por grupos armados -, quando regressam às suas aldeias são muitas vezes vistas como ameaças à segurança e acabam por ser discriminadas e estigmatizadas.

“À medida que os ataques ‘suicidas’ que envolvem crianças se tornam frequentes, algumas comunidades começam a encarar as crianças como uma ameaça à sua segurança,” afirmou Fontaine. “Esta suspeição relativamente às crianças pode ter consequências muito negativas: como pode uma comunidade reconstruir-se quando está a excluir as suas próprias irmãs, filhas e mães?”, questiona o director regional da UNICEF.

Outra das consequências da insurgência do Boko Haram (que significa “a educação ocidental é proibida”), maioritariamente no Nordeste da Nigéria e nos Camarões, é o número crescente de crianças que não têm acesso a educação. Mais de 1800 escolas já foram fechadas, saqueadas, incendiadas ou utilizadas como refúgio para pessoas deslocadas. Muitos professores recusam-se a regressar às salas de aula, enquanto os pais têm medo de enviar as suas crianças de volta à escola.

Desde que iniciou a sua campanha para implementar um estado islâmico na Nigéria em 2009, o Boko Haram já matou mais de 17 mil pessoas e levou ao deslocamento de mais de dois milhões. Só num ano, o número de crianças desalojadas aumentou mais de 60%, passando de 800 mil para mais de um milhão, segundo um outro relatório da UNICEF divulgado no ano passado. 

Escapar ao Boko Haram com uma história para contar

 

Notícia editada por Rita Siza

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