Mais um blogger linchado no Bangladesh

Extremismo islâmico está a ganhar terreno com o espaço deixado pela instabilidade política.

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Estudantes bloqueiam a estrada em protesto contra a morte do blogger crítico do islamismo Munir UZ ZAMAN/AFP

Um estudante universitário que publicava mensagens no Facebook contra o islamismo foi brutalmente assassinado na quarta-feira à noite na capital do Bangladesh, informou a polícia. É mais um a juntar-se à série de homicídios de activistas a favor do secularismo no país.

Nazimuddin Samad tinha 26 anos e estudava Direito na Jagannath University, em Daca. À ida para casa, no meio de um cruzamento, foi atacado. “Pelo menos quatro agressores atingiram Nazimuddin Samad na cabeça com catanas. Quando caiu no chão, um dos agressores deu-lhe um tiro com pistola. Morreu naquele instante”, declarou um responsável da polícia à AFP, Syed Nurul Islam. “É um assassínio selectivo, mas não foi reivindicado.” O diário Dhaka Tribune diz que os atacantes gritaram “Allah Akbar” (Deus é grande) antes de o matar.

Samad estava numa lista negra com 84 nomes de bloggers ateus que um grupo radical islâmico enviou ao Ministério do Interior e que circulou publicamente. Tinha participado em manifestações em 2013 contra líderes islamistas acusados de crimes de guerra durante a luta pela independência, em 1971, adianta a AFP. “É um militante da laicidade e uma voz forte contra a injustiça social. Opunha-se ao fundamentalismo islâmico”, adiantou Imran Sarker, director da principal rede de bloggers do Bangladesh.

A polícia acredita que já estaria a ser seguido há algum tempo, mesmo antes de se mudar para Daca, há dois meses (estudava em Sylhet no Nordeste do país). Nos seus posts no Facebook (onde no perfil indicava “sem religião") criticava frequentemente o islão radical e as suas atitudes em relação às mulheres e descrevia a religião como “a invenção mais bárbara”. “A evolução é uma verdade científica. A religião e a raça são uma invenção das pessoas selvagens e incivilizadas.” A família, que vive em Londres, já lhe teria pedido para desactivar a conta, o que ele fizera há pouco tempo, mas com intenção de a retomar, segundo um amigo ouvido pelo jornal The Guardian.

Clima de medo

O julgamento de 2013 contra os islamistas abriu caminho a uma onda de violência contra os defensores do secularismo. No ano passado, o homicídio de quatro bloggers, um editor e vários estrangeiros instalou um clima de medo entre os intelectuais e activistas, com várias pessoas a mudarem-se para o estrangeiro, ou a esconderem-se. A isto junta-se a perseguição religiosa de que também têm sido vítimas as minorias muçulmanas xiita e sufi – o país, oficialmente laico, é maioritariamente sunita – e a população católica. Houve até um ataque dentro de uma mesquita xiita, pela primeira vez, que fez um morto e vários feridos.

O autoproclamado Estado Islâmico (EI) reivindicou muitos dos ataques, mas a sua autoria nunca foi comprovada. E a primeira-ministra nega que o EI tenha presença no país. Pelo menos uma das vezes, Sheikh Hasina, líder da Liga Awami, apontou o dedo ao partido da oposição Bangladesh National Party (BNP), que nega as acusações e, por seu lado, a acusou de não avançar nas investigações.

Esta troca de acusações é uma consequência daquilo que será uma das chaves para entender a violência no país. A instabilidade política está a abrir espaço a uma maior presença dos grupos extremistas, cada vez mais activos, argumentam alguns observadores. Ninguém sabe quantos grupos operam no Bangladesh, mas algumas fontes da BBC estimavam, em Outubro passado, que haverá entre dez e 15 associações.

O comentador político Tareque Shamsur Rehman, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Jahangirnagar, afirmava na altura que “o Governo passa mais tempo a perseguir activistas da oposição do que as actividades extremistas”. E que as condições económicas serão um factor importante a ter em conta para explicar esta proliferação. “Há muitas pessoas a viver na pobreza e por isso é fácil atrair as pessoas para o extremismo em nome da religião.”

As eleições de 2014 foram ganhas por Hasina, mas alvo de boicote por parte da principal aliança da oposição. Os meses seguintes foram de violência que acabou numa centena de mortos.

Depois dos ataques aos quatro bloggers em Dezembro passado, a primeira-ministra voltou a desviar a responsabilidade do Estado Islâmico. Dessa vez, acusou o Jamaat-ul Mujahideen Bangladesh (JMB). O grupo terá estado na origem do linchamento de quatro activistas de esquerda e do homicídio de juízes, no início dos anos 2000, e há 11 anos lançou uma série de ataques bombistas simultâneos em 64 distritos do país (alguns visaram membros da Liga Awami, então na oposição). Uma vez que os membros do JMB pertenciam ao maior partido islâmico, o Jamaat-e-Islam, o executivo acusa esta força política de estar a tentar desestabilizar o país.

A violência sectária não era um dos problemas do Bangladesh, que vivia em harmonia religiosa. Mas os assassínios “são um eco da tragédia fundadora do país, quando milicianos islamistas mataram 116 intelectuais nos últimos dias da guerra pela independência em 1971”, escreveu em Novembro no Guardian K. Anis Ahmed, do Dhaka Tribune e Bangla Tribune. “Desde então os extremistas religiosos visaram frequentemente intelectuais”, adiantou. “Agora estão a alargar o alvo.”

Ainda assim, avançava Ahmed, o Jamaat-e-Islam nunca conseguiu passar da barreia de um dígito no apoio da população, 90% muçulmana. Mas “há apatia ou medo: os muçulmanos moderados temem protestar contra os extremistas, com medo de serem apelidados eles próprios de não-islâmicos”.

“O aumento da violência extremista é um resultado da ruptura do espaço político”, diz Ahmed. Denunciando a falta de empenho do Governo, que se diz defensor de um país secular, em perseguir os atacantes e em condenar liminarmente o extremismo, o escritor avisa: “Este fogo não vai deixar ninguém a salvo.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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