Mais do que um exercício de empatia

“E se fosse eu? Fazer a mochila e partir.” E chegámos à conclusão de que a nossa mochila é igual à deles.

No final de 2015, ano em que se iniciou a maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial, o Comité Internacional para os Refugiados pediu a várias pessoas e crianças sírias, que atravessaram o mar Egeu para chegar à ilha de Lesbos, que deixassem que se fotografasse o conteúdo das suas mochilas. A iniciativa "What's in my bag?", uma espécie de ensaio fotográfico, pretendia sensibilizar o mundo para o tema e mostrava o que os refugiados escolheram para levar na mochila antes de arriscarem uma travessia em embarcações frágeis, que já tiraram a vida a muitos. Na pequena mochila de Omran, um menino de seis anos de Damasco, estava um par de calças e uma T-shirt, um sabonete, pasta e escova de dentes, pensos e um saco cheio de gomas.

Nesta quarta-feira, em Portugal, 600 escolas juntaram-se a uma iniciativa promovida pela Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), que desafiou as crianças a escolherem o que levariam na mochila se tivessem de partir e só pudessem transportar esse saco. Os promotores descreveram a iniciativa como um “exercício de empatia”, mas é muito mais do que isso. É uma forma, como diz Marta, uma aluna de 12 anos da escola da Charneca de Caparica, de mostrar que eles “são pessoas como nós”. E também chegámos à conclusão de que as nossas mochilas seriam iguais às deles: medicamentos, escova de dentes, comida enlatada, telemóvel, carregador de telemóvel... Mas no sítio para onde vão haverá tomadas? Alguns miúdos acham que sim, outros nem por isso. E há outros, tal como os sírios, que ainda não perceberam sequer para onde vão.

A PAR, a Direcção-Geral da Educação, o Alto Comissariado para as Migrações e o Conselho Nacional de Juventude estão todos de parabéns por esta iniciativa nas escolas, que deveria ser replicada por esta Europa fora. Basta acompanhar a discussão desta semana sobre a reforma proposta pela Comissão Europeia sobre as regras de asilo de Dublin, para perceber que muitos não sabem e outros nem sequer querem saber o que trazem os meninos da Síria na mochila.

São muito positivas as propostas apresentadas pela Comissão no sentido de reformar, tentar uniformizar e, se possível, centralizar as regras de asilo, e refundar de vez os moribundos acordos de Dublin, que determinam que os refugiados devem reclamar asilo no primeiro país a que chegam. O que, naturalmente, coloca um ónus desproporcionado a países como Itália e Grécia. Uma das ideias mais ambiciosas apresentadas é adoptar um sistema obrigatório de redistribuição dos pedidos de asilo, baseado na riqueza e na capacidade de cada país da União de absorver os refugiados. Mas pela desconfiança que o tema já está a gerar em alguns países – os da rota dos Balcãs, que optaram por fechar fronteiras, e o Reino Unido, onde se evita a todo o custo temas sensíveis antes do referendo –, já se percebeu que, nesta altura, a proposta da Comissão não passa de um exercício de empatia.

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