A alegada fortuna de Putin está distribuída pelas empresas e contas dos amigos

O violoncelista e amigo íntimo de Vladimir Putin, Sergei Rodulgin, é detentor de várias sociedades fantasma constituídas em paraísos fiscais e por onde circulava o dinheiro atribuído ao Presidente da Rússia.

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Em 2009, Sergei Rodulgin fez a visita guiada à nova Casa da Música de São Petersburgo, que Vladimir Putin mandou construir REUTERS/Dmitry Astakhov/Sputnik/Kremlin

O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o violoncelista Sergei Rodulgin conheceram-se há quase 40 anos, na cidade então conhecida por Leninegrado: Ievgeni, o irmão mais velho de Sergei e companheiro de Vladimir na escola do KGB, era o elo comum entre os dois. Tornaram-se melhores amigos e inseparáveis, vivendo juntos aventuras próprias da juventude que foram contadas e recontadas por ambos, desde saídas nocturnas que acabavam ora em cantoria ora em pancadaria, até ao dia em que foram os dois passear de carro para impressionar duas hospedeiras da Aeroflot. Uma delas, Liudmila, acabaria por casar com Putin, que escolheu Sergei para padrinho da sua primeira filha, Maria (ou Masha), nascida em 1985.

A estas histórias de amizade, que já eram do domínio público, acrescenta-se agora uma nova narrativa, que era totalmente secreta e foi exposta com a divulgação dos chamados Panama Papers, milhões de documentos confidenciais provenientes da empresa Mossak Fonseca, sediada no Panamá, e “vítima” daquela que será a maior fuga de informação da História.

No caso do Presidente da Rússia, as informações retiradas dos ficheiros revelaram a existência de um intrincado esquema de circulação de verbas, envolvendo alguns dos seus amigos mais próximos, com destaque para Sergei Rodulgin, detentor de uma impressionante fortuna para um músico profissional, e Iuri Kovalchuk, o presidente do banco Rossiya, informalmente designado como a “carteira de Putin” e que actualmente integra a lista das instituições abrangidas por sanções da União Europeia e dos Estados Unidos em represália contra a anexação da Crimeia por Moscovo.

Segundo os jornais participantes no consórcio que investiga os ficheiros da Mossack Fonseca, Rodulgin e Kovalchuk (entre outros) estarão a actuar como testas-de-ferro de Putin, participando numa complexa operação montada para lavar dinheiro através de transacções financeiras envolvendo companhias fantasmas constituídas em offshores – um esquema que serve, ao mesmo tempo, para esconder o rasto de cerca de dois mil milhões de dólares que são atribuídos ao Presidente Vladimir Putin.

“Hoje é claro que a Putinfobia atingiu um nível que torna impossível falar bem da Rússia”, reagiu o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, que desvalorizou as revelações dos Panama Papers sobre as alegadas ligações financeiras do Presidente russo. “Não há aqui nada de novo”, considerou o assessor, para quem existe uma agenda política nas notícias sobre Putin. “O objectivo é desestabilizar a situação na Rússia antes da realização de eleições”, especulou.

Tal como o seu amigo de juventude, Sergei Rodulgin conheceu uma “ascensão vertiginosa” na sua carreira de músico profissional após o colapso da União Soviética, nota o The Guardian. O violoncelista chegou rapidamente a solista do teatro Mariinski, a reitor do importante conservatório de São Petersburgo e director artístico da Casa da Música construída por Putin naquela cidade. Mas ao contrário de outros amigos próximos do Presidente, que enriqueceram com o nascimento da nova Rússia, sempre disse que não era um homem de negócios: “Tenho um apartamento, um carro e uma dacha [casa de férias]. Não tenho milhões”, declarou numa entrevista ao The New York Times, em Setembro de 2014.

Os Panama Papers desmentem o violoncelista de 64 anos, que figura como o dono das empresas Sonnette Overseas, International Media Overseas, Sunbarn, Raytar e Sandalwood Continental, todas elas entidades offshore secretas que controlam activos avaliados em cerca de 100 milhões de dólares e que interage exclusivamente com um único veículo, o banco Rossiya (Rodulgin é um accionista individual de referência do banco, com uma participação de 3,9%). Alguns dos movimentos suspeitos, mostram os documentos, são transferências de pelo menos mil milhões de dólares feitas por este banco para a Sandalwood Continental: os fundos eram provenientes de empréstimos contraídos ao Banco Comercial da Rússia, que é controlado pelo Estado e outras entidades públicas e conhecido como o “bolso privado” dos dirigentes do regime.

“Esta companhia é um ecrã corporativo estabelecido fundamentalmente para proteger a identidade e confidencialidade do seu principal dono e beneficiário”, lê-se num documento da Mossack Fonseca – foi a partir de referências como estas que os investigadores confirmaram a ligação a Vladimir Putin. “Não vou fazer qualquer comentário sobre o assunto. Estas são matérias delicadas”, respondeu Rodulgin ao The Guardian, quando questionado sobre estas sociedades, e contas abertas em seu nome na Suíça, e que inexplicavelmente não pode movimentar.

Delicado também foi o adjectivo usado por Jürgen Mossack, um dos fundadores da empresa do Panamá, em correspondência relativa às movimentações entre o Banco Comercial da Rússia e as sociedades offshore detidas por Rodulgin, e empréstimos destas a outras entidades lideradas por outros amigos pessoais de Vladimir Putin – uma delas, a Ozon, é dona da estância turística de neve Igora, favorecida pelo Presidente russo. “Podemos estar na presença de pagamentos monetários com origem dúbia e destino duvidoso”, escreveu, em 2009. Garantias então dadas pelo banco Rossiya aplacaram os receios de Mossack.

Como resume o The Guardian, “os Panama Papers ajudam a explicar como várias pessoas próximas de Putin enriqueceram, e que isso só foi possível com o seu patrocínio. Também mostram os esforços feitos para encobrir o rasto desse dinheiro”, que circulava entre os bancos “amigos”, as offshores constituídas pela Mossack Fonseca e uma série de outras entidades, numa série de transacções financeiras mascaradas como compras de acções e bens subvalorizados; empréstimos abaixo das taxas comerciais que em vários casos nunca foram pagos; e uma variedade de pagamentos: de juros, de serviços de consultoria, de direitos diversos e até indemnizações por negócios cancelados, aparentemente de forma fraudulenta. O nome do Presidente russo não aparece mencionado uma única vez, mas “os documentos sugerem que foi a sua família que beneficiou desse dinheiro. As fortunas dos seus amigos eram para ser gastas por ele”, conclui o diário britânico.

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