Os papéis do Panamá

Numa primeira reação, parece claro que a revelação dos “papéis do Panamá” não deixará nada como dantes.

Vladimir Putin, Presidente da Rússia, e Petro Poroshenko, seu homólogo da Ucrânia, não se entendem em quase nada, com uma exceção: quando chega a hora de esconder dinheiro, ambos escolhem o Panamá.

É que no Panamá há uma certa empresa, a Mossack Fonseca, que faz do seu ramo de negócios abrir outras empresas. O azar é ela ter sido agora alvo da maior fuga de documentos da história do jornalismo. Descobriu-se que Putin tem dois mil milhões de dólares escondidos nas Caraíbas através de empresas fictícias criadas no Panamá em nome do seu melhor amigo, um obscuro violoncelista. Também aparecem nos documentos famílias e políticos no poder no Paquistão, na China, no Gana, no Azerbaijão e na Argentina (tanto um assessor de Cristina Kirchner como o seu adversário e sucessor Mauricio Macri, que omitiu revelar as empresas que tinha em seu nome em paraísos fiscais). Nomes da Lava-Jato serão mais que muitos.

Também há países ocidentais, é claro, representados neste furo coordenado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. No Governo islandês, a começar pelo seu primeiro-ministro, também há quem tenha empresas fictícias não declaradas. Sendo a Mossack Fonseca a quarta maior empresa do ramo, alguns sonegadores e evasores ao fisco do nosso país poderão lá constar também. Em certo sentido são os nomes que não conhecemos à primeira vista que podem ser os mais interessantes: na Bélgica há mais de 700 proprietários de empresas fictícias. Quantos aparecerão em França ou na Alemanha? E como fica o Reino Unido, cujas três ilhas de Jersey, Guernsey e Man foram mantidas sempre fora da União Europeia, para escapar às diretivas comunitárias sobre lavagem de dinheiro? Por falar nisso, já apareceu também o primeiro eurocrata envolvido: o controverso comissário da Energia, o espanhol Arias Cañete, cuja mulher também aparece como proprietária de uma pseudocompanhia panamenha.

Numa primeira reação, parece claro que a revelação dos “papéis do Panamá” não deixará nada como dantes.

Em primeiro lugar, pela dimensão: se nos Luxleaks, que nos revelaram como algumas multinacionais fogem ao impostos através de acordos privilegiados com o Luxemburgo, tínhamos um monte de informação, aqui não temos uma montanha, mas uma cordilheira. São mais de 200 mil as empresas fictícias cuja documentação é revelada.

Em segundo lugar, pela questão de fundo: soberania e globalização. A soberania que é invocada num país como forma de emancipação é invocada noutro país como forma de esconder o dinheiro dos impostos roubados ao primeiro. Uma resposta possível será impor regras que impeçam empresas sediadas em certas jurisdições como o Panamá de fazer negócio noutras jurisdições como a União Europeia. Soberania contra soberania. Outra possibilidade é a de criar registos de “últimos beneficiários”, para que se saiba sempre quem está por detrás de qualquer companhia legalmente constituída, dentro ou fora de fronteiras.

Mas essas soluções são apenas o prelúdio a que encaremos de frente que a globalização está enferma e que precisa de ser radicalmente democratizada — o que não acontecerá sem um outro entendimento da soberania, tema de uma futura crónica.

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