PS apresenta pacote de alterações para aumentar transparência em cargos públicos

Socialistas apertam a malha a casos como os da contratação de Maria Luís Albuquerque ou ao de deputados com vínculos a sociedades de advogados

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Carlos César, líder da bancada, e Pedro Delgado Alves (à direita) são dois dos autores da proposta socialista que será debatida na próxima semana. Enric Vives-Rubio

Os socialistas querem alterar de uma só vez seis diplomas para reforçar a transparência, o rigor e o escrutínio aos titulares de responsabilidades públicas, em cargos políticos ou públicos. O seu projecto de lei será discutido e votado na generalidade na próxima quinta-feira, a par das propostas do Bloco e do PCP, mas o PS olha ainda mais para a frente e quer criar uma comissão eventual para, em meio ano, fazer uma reforma mais profunda que inclua, entre outras questões, o lobbying.

Para isso o PS entregou esta sexta-feira no Parlamento uma proposta, a que o PÚBLICO teve acesso, que abarca alterações ao Regime Jurídico de Incompatibilidades dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos, ao Estatuto dos Deputados, à lei de Controlo Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos, à lei Geral Tributária, ao Regime Geral das Infracções Tributárias e ao Código do IRS.

O Bloco propõe o alargamento do período de nojo - tempo que medeia entre a saída do cargo político ou público e as novas funções - de três para cinco anos e que os responsáveis não possam exercer qualquer actividade em empresas do sector que antes tutelavam, no que é acompanhado pelo PCP. A proposta comunista consagra ainda um reforço das funções em que há incompatibilidades e no caso dos deputados estes deixam de poder ter participação em sociedades de advogados.

A transparência em cargos políticos e públicos tem sido tema recorrente e arma de arremesso político nos últimos anos. O mais recente caso polémico é o da contratação da deputada e ex-ministra Maria Luís Albuquerque como administradora não executiva, que está a ser analisado pela subcomissão parlamentar de Ética. Outros, mais antigos, foram os do ex-ministro do PS, Luís Amado, contratado para presidente do Banif, ou de Guilherme Dray (chefe de gabinete de José Sócrates) e Agostinho Branquinho (deputado) para a Ongoing.

“As alterações imediatas à legislação em vigor reforçam as inibições aplicáveis após o exercício de funções de titulares de cargos políticos e, no mesmo sentido, o elenco de funções que em simultâneo esses titulares podiam desempenhar. Introduzem-se também novas disposições quanto ao registo de interesses e verificação do património e controlo do cumprimento de diversas obrigações”, descreve o líder da bancada socialista, Carlos César, numa declaração escrita divulgada entretanto.

“É nossa convicção que o investimento na qualidade da nossa democracia exige um maior investimento na defesa do interesse público, dos valores republicanos e da transparência da actividade governativa. Esse investimento não pode e não deve ser adiado sob pena de ruir a confiança dos cidadãos nas instituições que nos regem”, acrescenta o também presidente do PS. Daí que, defende, seja “prioritário” o reforço dos instrumentos que “conferem mais transparência, rigor e escrutínio aos titulares de responsabilidades públicas”.

Os socialistas querem impedir os titulares de cargos políticos de, durante três anos, poderem ser funcionários ou consultores de organizações internacionais com os quais tenham tido negociações em nome do Estado – excepto UE ou ONU. Os consultores do Estado em privatizações ou concessões também estão proibidos de colaborar com essas entidades durante o mesmo período.

No projecto assinado pelos deputados Carlos César, Jorge Lacão, Pedro Delgado Alves, Filipe Neto Brandão e Pedro Bacelar Vasconcelos, os parlamentares passam a ter que identificar as sociedades a que estiveram ligados (por participação no capital ou funções) nos últimos três anos, são proibidos de prestar serviços ou integrar, a qualquer título, instituições empresas ou sociedades de crédito, seguradoras e financeiras; de serem consultores ou peritos em processos contra o Estado ou entes públicos; de terem ligações de trabalho ou integrar instituições, empresas ou sociedade concessionárias de serviços públicos ou PPP. E se tiverem uma quota de mais de 10% numa empresa, qualquer que seja o ramo - incluindo em sociedades de advogados (que hoje é possível) -, esta não poderá fazer qualquer tipo de negócio ou prestação de serviços com o Estado.

Para melhor controlar o património e a riqueza dos titulares de cargos públicos são alargadas as obrigações de prestação de informação. Têm que entregar declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional, além dos titulares de cargos políticos e equiparados, todos os altos dirigentes da administração directa e indirecta do Estado, bem com da administração local e das regiões autónomas. E têm que o fazer no início, no final do mandato e três anos após a cessação de funções. E a falta de entrega, a omissão ou erros intencionais passam a ter punição clara – perda de mandato, demissão ou destituição judicial, inibição do exercício do cargo e até, nos casos mais graves, prisão até três anos.

No caso de serem detectadas situações de aumento patrimonial não justificado de valor superior a 100 mil euros a taxa especial de imposto a aplicar passa dos actuais 60% para 80%.

Comissão eventual para legislar lobbying

Em paralelo com o projecto de lei que altera vários diplomas, o PS apresentou um projecto de resolução para a constituição de uma comissão eventual para o reforço da transparência no exercício de funções públicas. A intenção é que a comissão funcione durante pelo menos meio ano para recolher contributos e sistematizar medidas jurídicas e políticas sobre o regime de exercício de funções, as condições de exercício de mandato, o controlo público de riqueza, os regimes de incompatibilidades e impedimentos, de interesses e prevenção de conflito de interesses e de responsabilidade. E terá que produzir um relatório com conclusões.

Os socialistas querem também que esta comissão "avalie da pertinência" de se legislar sobre o lobbying, actividade que não é legal em Portugal e sobre a qual o anterior Governo PSD/CDS tencionava legislar. Além do lobbying, outras questões a analisar são a criação de outras medidas de prevenção e combate à corrupção no quadro das recomendações do GRECO - Grupo de Estados Contra a Corrupção do Conselho da Europa, assim como a identificação de boas práticas em matéira de transparência pública, como o acesso às votações dos membros das assembleias representativas, a publicitação na internet da actividade dos titulares de cargos públicos ou o regime de aceitação e publicidade de ofertas de função.

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