O eclipse da assassina no momento do golpe

Enigmático: é como se faltasse filme ao filme; é como se A Assassina, e não apenas o desfecho dos golpes, estivesse sempre em off.

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Assassina: a sua beleza é fulminante, mas não podemos grande coisa para nos perdermos nele

Como Wong Kar-wai no solipsista Ashes of time (1994), também Hou Hsiao-Hsien faz a sua versão depurada do wu xiao pian: elimina os tecidos e punhais voadores, as coreografias sem gravidade, mantém o género e a melancolia mais perto do chão. E tal como no caso de Wong Kar-wai, A Assassina - recebido de forma triunfal em Cannes: o mais bonito do festival e de toda a carreira de Hou, pelo menos desde Flowers of Shaghai (1998), escreveu-se, e o cineasta foi mesmo tratado como uma lenda viva - é uma espécie de filme frustrado, elidido.

O que o taiwanês faz com as sequências de combate deste seu projecto antigo (foi sendo montado financeiramente desde 2005), frustrando o espectáculo ou as redundâncias espectaculares, forma de colocar desde logo o espectador perante a angústia existencial de uma assassina relutante no momento do golpe, estende-se a tudo o resto. O resultado é, no mínimo, enigmático: como se faltasse filme ao filme, como se A Assassina estivesse sempre a desenrolar-se em off.

Sobretudo, falta algo que é sempre decisivo no cinema de Hou Hsiao-Hsien: uma ressonância labiríntica que advém da experiência do tempo. Há algo de violento na impenetrabilidade em que o filme se esconde. A beleza é, sim, fulminante - olha-se, e já está. Mas não podemos fazer grande coisa para nos perdermos nele. Não trocamos nenhum dos outros filmes do Hou Hsiao Hsien pela haute couture que é A Assassina.

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