Estudo associa Zika na gravidez ao aumento do risco de microcefalia

Infecção no primeiro trimestre de gestação é a melhor explicação para oito casos de microcefalia no surto na Polinésia Francesa. Uma em cada cem mulheres grávidas com infecção pode ter um bebé com microcefalia.

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A microcefalia nos recém-nascidos provoca dificuldades cognitivas e na fala Ricardo Moraes/Reuters

Uma nova investigação sobre o surto do vírus Zika na Polinésia Francesa, ocorrido entre Outubro de 2013 e Abril de 2014, conclui que a melhor explicação para a origem de oito casos de microcefalia que apareceram naquela altura é a infecção pelo Zika no primeiro trimestre de gravidez. Com estes dados, calculou-se que o risco de microcefalia é de 1% nas mulheres infectadas pelo Zika no início da gravidez. A investigação, levada a cabo por uma equipa de investigadores do Instituto Pasteur, em França, foi publicada na terça-feira na edição online da revista médica The Lancet.

Ainda não está provado que o vírus Zika cause microcefalia e outros problemas na gravidez, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que há cada vez mais provas nesse sentido. A 1 de Fevereiro último, a OMS recomendou às mulheres grávidas e às mulheres em idade fértil para evitarem viajar para os países afectados pelo vírus Zika, para usarem preservativos com os parceiros vindos desses países e para adiarem gravidezes, três medidas para reduzir o risco de microcefalia.

Identificado no Uganda, em 1947, o Zika só ficou globalmente conhecido em 2015, quando atingiu a América do Sul. O vírus pertence ao género Flavivirus e é parente do vírus da febre-amarela e da dengue. Tal como estes dois, o Zika transmite-se aos seres humanos na picada dos mosquitos da espécie Aedes aegypti, que vive nos trópicos, e da espécie Aedes albopictus, natural do Sudeste asiático, mas que está disseminado por regiões como o Sul da Europa. Além disso, já foram descritos pelo menos dois casos de transmissão em humanos durante relações sexuais.

A infecção pode causar febre, conjuntivite, dores nos músculos e nas articulações, mal-estar e dor de cabeça. Normalmente, os sintomas não são intensos e duram entre dois a sete dias. Mas a infecção tem-se espalhado rapidamente em regiões onde os mosquitos são endémicos: só em 2015 pensa-se que o Brasil teve entre 400.000 e 1,3 milhões de casos. E o surto, que já atingiu dezenas de países na América Central e do Sul, está também associado à síndrome de Guillain-Barré, que pode afectar todas as pessoas infectadas e compromete a capacidade motora.

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Mosquito Aedes aegypti, que transmite o vírus Zika Marvin Recinos/AFP

No entanto, o alarme surgiu devido ao aumento de casos de microcefalia no Brasil, onde há já “745 casos” de microcefalia “potencialmente associados à infecção do vírus Zika”, avança a OMS. Neste problema, notório pela cabeça anormalmente pequena dos recém-nascidos, ocorre redução do volume cerebral, o que provoca a dificuldades cognitivas, na fala e no comportamento.

“A microcefalia é uma das várias deformações detectadas nos nascimentos associadas à infecção do Zika na gravidez”, disse recentemente em comunicado Margaret Chan, directora-geral da OMS, explicando que já se demonstrou que o vírus atravessa a placenta, passando da mãe para o feto. “Podemos concluir que o vírus é neurotrópico, afectando preferencialmente tecidos no cérebro do feto.”

No entanto, ainda se está a tentar estimar o risco real de microcefalias associadas ao Zika. É difícil fazer esse cálculo nos países a braços com o surto actual. Por um lado, há um atraso entre a infecção e a detecção de fetos ou de recém-nascidos com microcefalia, por outro lado, para calcular o risco é necessário estimar o número de pessoas que foram infectadas, e esse número só se obtém com uma análise representativa da população, feita após o fim do surto.

O Zika é natural da África, mas nas últimas décadas foi viajando para Leste, e recentemente atravessou o oceano Pacífico: em 2007 chegou à Micronésia, em 2013 à Polinésia Francesa, em 2014 à ilha da Páscoa, no Chile, e em Maio de 2015 aterrou no Brasil, tornando-se famoso.

Por isso, a equipa do Instituto Pasteur analisou o ocorrido na Polinésia Francesa, onde há registos confiáveis na área da saúde e o surto já terminou há tempo suficiente para haver números finais sobre a infecção: estima-se que 66% dos seus 270.000 habitantes foram infectados.

O investigador Simon Cauchemez e a equipa do Pasteur procuraram documentação de saúde do país para identificar os casos de microcefalia (de todos os problemas associados ao Zika identificados nos fetos, os cientistas centraram-se apenas neste). Por ano, nasceram 4182 bebés e houve oito ocorrências de microcefalia na altura do surto e nos meses seguintes. Destas, apenas três crianças nasceram, as restantes cinco gravidezes foram interrompidas.

Com aqueles dados e com a informação sobre as semanas em que o surto atingiu o pico, os investigadores construíram modelos matemáticos para testar várias hipóteses sobre o risco de microcefalias. Os cenários eram vários: o risco da microcefalia associado à infecção do Zika no primeiro trimestre da gravidez; no segundo trimestre; no terceiro trimestre; nos nove meses; e ainda a inexistência de qualquer associação entre a infecção e a microcefalia.

De todas as hipóteses, o cenário que fez a melhor previsão sobre o que se passou na realidade foi o que associou os casos de microcefalia à infecção do vírus no primeiro trimestre de gravidez. Os cenários que pior previram o que se passou foram dois: o que associou a microcefalia à infecção apenas no terceiro trimestre de gestação e o que não associou a infecção do Zika à microcefalia.

Urgência na investigação, pede a OMS

“A nossa análise apoia fortemente a hipótese de que a infecção do vírus Zika durante o primeiro trimestre de gravidez está associada a um aumento de risco da microcefalia”, diz Simon Cauchemez, num comunicado da revista The Lancet. “Estimámos que o risco de microcefalia foi de uma em 100 mulheres [grávidas] infectadas com o vírus Zika durante o primeiro trimestre de gravidez.”

Apesar de o risco de microcefalia ser baixo, principalmente comparado com o de outras doenças, o vírus infecta muitas pessoas, por isso pode provocar um número considerável de casos de malformação cerebral.  

Num comentário a este trabalho, a investigadora Laura Rodrigues, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (Reino Unido) e que integra o Grupo de Investigação da Epidemia de Microcefalia, no Recife (Brasil), considera que o risco estimado pela equipa do Instituto Pasteur de 1% é baixo. Para esta argumentação, a investigadora está a ter em conta um outro estudo recente em Pernambuco (no Brasil), onde o risco estimado de microcefalia foi de 2%.

No entanto, Laura Rodrigues considera que a associação da infecção no primeiro trimestre de gravidez à microcefalia é “biologicamente plausível”, já que é nesta altura que o cérebro começa a desenvolver-se. No início de Março, uma outra investigação científica mostrou que o vírus é capaz de infectar e danificar as células cerebrais.

De qualquer forma, os novos dados “apoiam as recomendações da OMS para as mulheres grávidas se protegerem das picadas dos mosquitos”, diz Arnaud Fontanet, da equipa do Instituto Pasteur. A OMS recomenda com urgência a investigação do vírus, não só para haver novos métodos de diagnóstico, mas também para se desenvolver tratamentos e vacinas. Nesse sentido, a Comissão Europeia disponibilizou na terça-feira dez milhões de euros para o estudo do Zika.

Mas no Brasil as condições de vida são um dos grandes problemas. Segundo a agência Reuters, 35 milhões de brasileiros não têm água corrente e 100 milhões não têm acesso a um sistema de esgotos. Estas condições são propícias à proliferação do mosquito Aedes aegypti, responsável por infectar milhões com a febre de dengue. Só em 2015 já foram infectadas pela dengue no Brasil 1,6 milhões de pessoas. Enquanto esta situação perdurar, será difícil combater um surto que já dura há quase um ano. 

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