Cinismo e tacticismo na discussão do OE

Ninguém sai bem no processo de votação no Parlamento das ajudas à Grécia e à Turquia.

Numa situação normal, os artigos 80.º e 81.º do Orçamento do Estado jamais seriam notícia. O primeiro consagra uma verba de 106,9 milhões para o “financiamento do programa de assistência financeira à Grécia”, e o segundo reserva 24,3 milhões para o “mecanismo de apoio à Turquia em favor dos refugiados”. Tendo em conta que esses foram compromissos assumidos pelo anterior Governo, e que o actual os subscreve na íntegra, seria de esperar que os respectivos grupos parlamentares aprovassem os dois artigos sem grandes discussões. Assim não aconteceu. Não porque os deputados estivessem preocupados em dar mais ou menos dinheiro à Grécia ou à Turquia, mas por puro tacticismo e calculismo político.

Isto tudo acontece porque o PSD adoptou para este Orçamento uma regra de votar contra todos os artigos, independentemente do valor das propostas em questão, e abster-se em todas as propostas de alteração. Ao votar contra, os sociais-democratas estão a distanciar-se de um documento com o qual genericamente não concordam, e ao absterem-se nas alterações estão a lançar uma espécie de armadilha política ao PS, que neste cenário fica com o ónus de ter de chumbar propostas de alterações feitas pelo Bloco e PCP, apoiantes do actual Governo.

Ao seguir esta regra às cegas, o PSD cai no ridículo de estar a chumbar propostas com as quais até concorda a 100% e pelas quais é responsável, sendo os artigos 80.º e 81.º duas delas. Não haveria grande problema se o PCP e o Bloco votassem ao lado do Governo neste tema, mas estes dois partidos resolveram desta vez levantar obstáculos e de repente o Governo viu-se só com o apoio do PS, o que seria insuficiente para garantir a aprovação dos dois artigos – um cenário que deixaria Portugal numa situação caricata de não poder executar os seus compromissos europeus.

O PS, claro está, tentou passar o ónus de um eventual impasse para o PSD, desculpando entretanto o eventual voto contra do PCP e BE porque os dois partidos “sempre foram contra estas normas nos orçamentos anteriores” e agora “teriam de mudar agora de posição”. Esta tentativa de desculpabilização não assenta propriamente bem a quem assumiu o poder dizendo ter uma maioria duradoura e estável e capaz de respeitar os compromissos europeus.

Passos, de uma forma irónica, desafiou Costa a usar “a sua boa capacidade negocial” para ultrapassar o impasse. Costa não o fez, mas deitou mão de um artifício de cosmética, tendo apresentado uma proposta de alteração ao Orçamento em que na prática reproduz os conteúdos dos artigos 80.º e 81.º, mas com uma redacção ligeiramente diferente. Com isso, e para o PSD se manter coerente com a sua regra – chumbar os artigos originais e abster-se nas alterações –, “obrigou” os sociais-democratas a viabilizarem o documento, tornando assim irrelevante o voto contra mais à esquerda. Para trás fica um episódio triste, sem grande importância, mas que mostra a postura cínica com que a direita tem encarado este debate orçamental e uma coligação à esquerda frágil e que dá poucas garantias.

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