Polónia prepara-se para ser repreendida pela sua crise constitucional

Ministro compara magistrado do Tribunal Constitucional a um ayatollah iraniano e promete contestar o Conselho da Europa. Governo conservador está em guerra aberta com a máxima instância jurídica no país.

Foto
O presidente do Tribunal Constitucional polaco, Andrzej Rzeplinski, no primeiro dia de deliberações. Kacper Pempel/Reuters

O Governo polaco insiste em fazer valer a sua alteração ao funcionamento do Tribunal Constitucional, mesmo que esta semana ela tenha sido declarada inconstitucional pelo próprio tribunal e se antecipe também um veredicto negativo do Conselho da Europa para esta sexta-feira. “Vamos disputar esta opinião”, declarou esta quinta-feira o ministro polaco dos Negócios Estrangeiros, Witold Waszczykowski, que reconhece já ter lido o documento do órgão europeu.

O parecer do Conselho da Europa foi pedido pela Comissão Europeia, que investiga a Polónia por possíveis atropelos à democracia e ao Estado do Direito, através de um mecanismo criado pelo Tratado de Lisboa. Bruxelas está a analisar não apenas o documento que afecta o Tribunal Constitucional, mas também a lei sobre os media, que permite ao novo Governo do Partido do Direito e Justiça (PiS) apontar e destituir directores dos órgãos de comunicação social do Estado.

“Foi demasiado longe”, disse o ministro polaco, antecipando a opinião da chamada Comissão de Veneza — o braço de protecção dos direitos humanos do Conselho. Para Waszczykowski, o diferendo constitucional na Polónia “ultrapassa o enquadramento legal: é uma disputa política e deve ser resolvida por meios políticos, através de um compromisso”.

Espera-se que decisão do Conselho da Europa tenha influência sobre a investigação da Comissão Europeia, que, no limite, pode resultar na suspensão do poder de voto da Polónia como Estado-membro — embora o primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban já tenha prometido travá-lo. Uma primeira versão do documento foi posta a circular no final de Fevereiro: afirma que a lei do PiS faz com que o “Tribunal Constitucional não possa conduzir o seu trabalho de forma eficaz” e declara que “não apenas o Estado de Direito, mas também a democracia e os direitos do Homem estão em perigo”.

O finca-pé agravou-se na quarta-feira. Horas depois de a máxima instância jurídica ter decidido que a lei que afecta o seu funcionamento era inconstitucional, o Governo anunciou em público que se recusava a aceitar a decisão. O próprio veredicto do Tribunal Constitucional, disse o ministro polaco da Justiça, é inconstitucional, por ter sido decidido sem obedecer às novas regras de funcionamento que o próprio julgou — o argumento do PiS é que todas as leis são constitucionais até prova em contrário, o que, na prática, determina que o tribunal deveria ter acatado o documento antes de julgar sobre a sua constitucionalidade.

Mas os magistrados optaram por ignorar a lei, que faz com que seja mais difícil tomar decisões: o número de juízes aumenta de nove para 15 e passa a ser necessária uma maioria de dois terços para se chegar a um veredicto. “Limita dramaticamente a capacidade de o tribunal funcionar de forma independente e contraria profundamente o sistema [político] da Polónia e não pode ser tolerado”, afirmou na quarta-feira o juiz Stanislaw Biernat, no final de dois dias de deliberação.

O ministro polaco dos Negócios Estrangeiros comentou a decisão do tribunal liderado pelo magistrado Andrzej Rzeplinski. “Fui embaixador no Irão e o senhor Rzeplinski assemelha-se, a meu ver, a um ayatollah no Irão que toma decisões independentemente das resoluções do Senado e da Dieta [câmara baixa] e que lhe cabe dizer o que é bom ou não para a Polónia.”

Esta não é a primeira disputa entre o Governo PiS e o Tribunal Constitucional. Logo depois das legislativas, a nova primeira-ministra, Beata Szydlo, não aceitou a nomeação de cinco juízes apontados pelo anterior Governo e decidiu nomear outros cinco magistrados em seu lugar. Também esta decisão foi considerada inconstitucional. Resultado: os cinco lugares permanecem vazios.

Sugerir correcção
Comentar