O inesperado papel da Turquia

Ironicamente, a Turquia pode ser uma peça-chave para resolver uma parte da crise dos refugiados.

Aúnica coisa boa que há a dizer sobre a crise de refugiados na Europa é que o Inverno está quase a acabar. Ainda falta passar Março, mas o calor vai começar a aparecer e os milhares de refugiados que continuam a chegar à costa europeia todos os dias terão, pelo menos, de suportar menos frio.

Tudo o resto se resume a más notícias e pouca acção. Os líderes europeus reúnem-se hoje para mais uma cimeira de urgência, desta vez com a Turquia e uma agenda pequena mas pesada: tentar reactivar o sistema de Schengen e impor um novo rumo à crise gerada pela fuga das guerras no Médio Oriente. Dos 26 países do Espaço Schengen, oito já o suspenderam temporariamente e reintroduziram o controlo de pessoas nas suas fronteiras internas: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Eslovénia, Hungria, Noruega e Suécia.

Ontem morreram mais 25 refugiados que atravessavam o Mediterrâneo entre a Turquia e a Grécia. Três eram crianças. E o primeiro-ministro eslovaco Robert Fico, que fez campanha com o lema “nem um único imigrante muçulmano”, ganhou as eleições e à boleia ajudou um partido neo-nazi a entrar no Parlamento. A Eslováquia assumirá a presidência da União Europeia em Julho.
Com uma União profundamente dividida, há cada vez mais perguntas sem resposta. A União vai conseguir aprovar o plano que apresentou há dias para repor Schengen? Ancara vai melhorar as condições de recepção dos refugiados? Vai acolher todos os que foram sendo expulsos da União por serem “apenas” imigrantes económicos? Vai patrulhar de forma mais eficaz a sua costa? Por outro lado, a União vai ceder a Ancara e aceitar a entrada de turcos sem visto? Vai concordar pagar “muito mais” do que paga hoje à Turquia para que esta acolha os refugiados com dignidade? O que é “muito mais” do que seis mil milhões de euros por ano? Vai ser criado um novo fundo europeu para dar resposta a esta crise humanitária, semelhante aos criados para os resgates dos bancos? Vai a Grécia ser suspensa do espaço Schengen? E conseguir melhorar o seu sistema de registo dos migrantes como exigem os parceiros europeus? A Grécia e Itália vão construir os hotspots que a União exige e que estão na base da estratégia de Bruxelas para identificar rapidamente quem entra no circuito dos pedidos de asilo e quem deve ser rejeitado e enviado para trás? A nova polícia costeira e de fronteiras vai ser criada e vai ser eficaz?

O Acordo de Schengen tem 30 anos. O receio de que chegue ao fim é hoje real. A Turquia, inesperadamente, tem agora um papel central na equação. E por isso vale a pena lembrar duas coisas. No plano económico, Schengen é sinónimo de prosperidade. Permite, por exemplo, que as empresas europeias não gastem dinheiro a armazenar bens, pois sabem que os podem encomendar e que eles chegam depressa. Calcula-se que o fim das fronteiras abertas na Europa custe 470 mil milhões de euros em menos de dez anos. No plano moral e político, é igualmente simples: o seu fim pode muito bem ser o fim da União Europeia.

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