Herdeiros de Wagner na Gulbenkian

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Waltraud Meier dr

A meio-soprano alemã Waltraud Meier, uma das grandes cantoras wagnerianas do nosso tempo, foi a protagonista do último concerto da Orquestra Gulbenkian, dirigida pelo maestro finlandês Jukka-Pekka Saraste, na interpretação dos “Wesendonck Lieder”. O  programa incluía também a Abertura do 1º Acto da ópera “Lohengrin” de Wagner e a extensa Sinfonia nº 3, de Bruckner.

Ao longo da sua carreira, Waltraud Meier distinguiu-se quer em papéis de meio-soprano, quer de soprano dramático, tendo atingido uma enorme notoriedade nesta última categoria. No Verão passado, poucos meses antes de cumprir 60 anos, fez a sua despedida dos palcos como Isolda em Munique, preferindo retirar-se dos papéis mais exigentes ainda em boa forma, deixando a melhor impressão nos ouvintes, do que arriscar a iminência do desgaste vocal. O universo Lied é actualmente uma das suas apostas e o magnífico ciclo de canções nascido da paixão entre Wagner e Mathilde Wesendonck (autora dos poemas), e ao mesmo tempo campo de estudo para a composição de “Tristão e Isolda”, constituem uma escolha óbvia. O belíssimo timbre de Waltraud Meier, cujo brilho se mantém em toda a extensão vocal, constitui um veículo ideal para este universo onírico e apaixonado, bem como a elegância dos seus fraseados, a capacidade de realizar subtis nuances de colorido e dinâmica e a clareza da dicção. A atenção à relação texto-música e ao conteúdo expressivo e dramáticos dos textos evidencia-se também na sua sintonia com as diferentes atmosferas de cada canção: da contemplação de “Der Engel” (O Anjo) e “Im Treibhaus” (Na Estufa) à evasão de “Träume” (Sonhos), passando pela vertigem da marcha inexorável do tempo em “Stehe still!” (Pára!) e pela intensidade emocional de “Schmerzen” (Sofrimento).

No entanto, apesar de apenas a orquestração de “Träume” ser do próprio Wagner, que escreveu estas obras com acompanhamento de piano — as orquestrações das restantes quatro canções devem-se a Felix Mottl (1856-1911) — o papel da orquestra é crucial. As componentes vocal e instrumental deveriam funcionar como um todo orgânico, mas nesse plano, a direcção de Jukka-Pekka Saraste e o desempenho da Orquestra Gulbenkian ficaram aquém do desejável. Faltou alguma subtileza na gestão das texturas instrumentais em sintonia com a linha vocal e, em especial nas primeiras canções, o volume da orquestra chegou pontualmente a cobrir a voz da cantora.

Quanto ao repertório puramente orquestral, na Abertura do 1º Acto de “Lohengrin”, a orquestra foi ganhando em coesão à medida que a obra avançava, mas seria na imponente Sinfonia nº 3, de Bruckner, na segunda parte, que o agrupamento, ampliado por vários instrumentistas convidados de modo a atingir as dimensões monumentais que a partitura exige,  e o maestro Jukka-Pekka Saraste mostrariam o seu melhor. Dedicada a Wagner, por quem Bruckner tinha um imenso fascínio, a Sinfonia nº 3 subsiste em várias versões, tendo sido tocada a segunda, de 1877. A estreia oitocentista em Viena foi mal recebida pelo público e pela crítica, mas actualmente é considerada a primeira sinfonia da maturidade do compositor. Dela emerge a tentativa de transpor para o meio orquestral as características do drama musical wagneriano em combinação com texturas inspiradas na música religiosa e a exploração da instrumentação como veículo expressivo. No entanto, o discurso extremamente dilatado e por vezes redundante da obra torna-a difícil de gerir. Jukka-Pekka Saraste apostou numa interpretação vigorosa, com ênfase na amplitude das linhas melódicas e numa incisiva paleta dinâmica, que privilegiou o ímpeto dos grandes volumes sonoros. Consegui neste caso um apreciável equilíbrio entre os naipes da orquestra, na qual os metais têm grande protagonismo, levando a uma entusiástica reacção do público no final.

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