Reforma do IRS tornou o imposto “mais progressivo mas menos redistributivo”

Relatório técnico da Comissão Europeia conclui que o efeito distributivo da reforma “não é linear”. Impacto nas receitas é de 600 milhões.

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Os técnicos da Comissão vêem margem para “novas reformas na administração fiscal” João Cordeiro

A reforma do IRS lançada pelo anterior Governo, que veio alterar o regime das deduções à colecta e introduzir o quociente familiar (agora eliminado), tornou o imposto “mais progressivo mas menos redistributivo”. A conclusão é dos serviços técnicos da Comissão Europeia, com base em simulações para medir o impacto das alterações no rendimento e na distribuição do imposto.

Num documento de trabalho dos serviços do executivo comunitário sobre Portugal – em que Bruxelas faz questão de sublinhar que se trata de um documento técnico que não traduz a posição oficial da Comissão –, os técnicos dizem que o “efeito distributivo da reforma não é linear”.

A comparação feita é entre 2014 e 2015, ou seja, avalia exclusivamente a reforma do IRS, não levando em linha de conta o impacto do agravamento do IRS em 2013 quando foram reduzidos os escalões e alteradas as taxas.

Se, por um lado, o quociente familiar e a reformulação das deduções fiscais deu ao imposto mais progressividade, por outro, a redistribuição do imposto ficou afectada, consideram os técnicos da Comissão.

“A maior progressividade deve-se ao facto de os agregados mais pobres terem uma redução relativamente maior das suas obrigações fiscais, mas esta situação é sobrecompensada pela significativa redução da receita fiscal que limita o potencial redistributivo do imposto”, explicam.

A introdução do quociente familiar foi uma das bandeiras da reforma do IRS e que desde o início foi contestada pelo PS, por a considerar “regressiva”, ou seja, por ser mais vantajosa para as famílias numerosas de rendimentos mais altos. Um ano depois da entrada em vigor do quociente (que se aplica aos rendimentos de 2015), volta a mudar a forma como os filhos são considerados no IRS.

O Governo decidiu acabar com o quociente familiar (voltando a aplicar-se o quociente conjugal, em que o rendimento é didivido pelo número de sujeitos passivos), substituindo o efeito do quociente familiar por uma dedução fixa por filho maior do que a actual (passa de 325 euros para 600 euros).

Com o quociente familiar, em vez de o rendimento ser dividido por dois (na situação de um casal) para determinar o rendimento colectável bruto, a divisão passou a ser feita pelo número de membros do agregado familiar (dando aos filhos uma ponderação de 0,3 nesse cálculo).

Os técnicos da Comissão lembram que, para evitar “perdas de receitas significativas” para o Estado, foram fixados tectos para aquilo que uma família pode poupar com a introdução desse quociente familiar – o ganho não pode ser superior a “300 euros em caso de tributação separada com uma pessoa dependente e 2000 euros em caso de tributação conjunta e três ou mais pessoas dependentes”.

Perda acima do previsto

Ao todo, calculam os técnicos da Comissão, a aplicação das regras da reforma tem um impacto negativo de 600 milhões de euros nas receitas do Estado.

“Perto de 300 milhões de euros desta perda de receitas fica a dever-se à introdução do quociente familiar”. O valor é o dobro do inicialmente previsto pelo anterior Governo e que está também acima do montante de 260 milhões de euros estimado pelo actual executivo.

Os outros 300 milhões de euros de perda de receita resultam das alterações nos valores das deduções à colecta do IRS (as “variações nos créditos de imposto, designadamente a substituição do crédito fiscal individual pelo crédito fiscal para despesas gerais, mais elevado, e os 50% de aumento do crédito fiscal por menor a cargo”).

Ainda que o impacto na receita do Estado das deduções das despesas gerais familiares (até 250 euros por pessoa) “só se torne efectivo a partir da declaração de 2016, a maior parte das perdas de receitas relacionadas com o quociente familiar e ao aumento do crédito fiscal por menor a cargo já se materializaram em 2015 na medida em que as tabelas de retenção já reflectiam as novas regras da reforma do IRS”.

Melhorar controlo das empresas

No mesmo relatório, os técnicos da Comissão elogiam as reformas feitas nos últimos anos para combater a fraude e evasão fiscais – esforço que o actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, diz querer continuar – e consideram que ainda há capacidade para fazer mais.

“Foram tomadas medidas significativas para reforçar a eficácia da administração fiscal e melhorar o cumprimento das obrigações fiscais”, começa por sublinhar a Comissão, dando o exemplo da criação da Unidade dos Grandes Contribuintes e o sistema de facturação electrónica.

Para os técnicos da Comissão Europeia, “há margem para novas reformas na administração fiscal, que contribuiriam para melhorar o cumprimento das obrigações fiscais e aumentar o investimento”. Duas áreas onde ainda há trabalho a fazer é no mercado da habitação e na “eficiência do sistema judicial, por exemplo em matéria de resolução de litígios fiscais”, apontam.

Ao mesmo tempo, o relatório nota que o tempo que os contribuintes despendem a cumprir as suas obrigações fiscais ainda é elevado: uma média de 275 horas, quando a média na União Europeia é de 186 horas. Ainda que os formulários possam ser preenchidos online, os custos de cumprimento “contam-se entre os mais elevados da UE”.

Em relação ao investimento, o diagnóstico também aponta para alguns entraves. “O sistema fiscal não é propício ao investimento, já que os custos decorrentes do cumprimento das obrigações das empresas são elevados e os incentivos fiscais carecem de eficácia”.

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