Governo clarifica papel do Estado para garantir luz verde ao novo acordo na TAP

Dúvidas da ANAC sobre controlo da transportadora aérea poderão manter-se, já que o Estado será maioritário, mas a gestão totalmente privada.

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Fernando Pinto, presidente da TAP, esteve reunido com a ANAC na segunda-feira Miguel Manso

As dúvidas levantadas pelo regulador da aviação sobre o controlo da TAP poderão não ser totalmente dissipadas só pelo facto de o Estado se tornar o seu maior accionista, já que os direitos económicos e gestão vão manter-se nas mãos da Atlantic Gateway, cuja estrutura gera incertezas quanto ao cumprimento das regras europeias. O Governo está, por isso, a fazer um esforço para clarificar ainda melhor qual será o papel do Estado, quando recuperar 50% do capital, nomeadamente através de uma fundamentação jurídica que não deixe margem a um chumbo da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC).

A decisão do supervisor veio colocar pedras na engrenagem na concretização do acordo a que o Governo chegou com os privados que hoje controlam a TAP, um consórcio liderado pelo empresário português Humberto Pedrosa e pelo norte-americano David Neeleman. A solução encontrada para ultrapassar os bloqueios impostos pela ANAC, que passa pela criação de um grupo de trabalho que permite prestar esclarecimentos de forma mais imediata, vai impedir que alguns passos sejam dados com a celeridade desejada, nomeadamente o empréstimo obrigacionista de 120 milhões de euros e a consequente entrada do grupo chinês HNA no capital da companhia.

No entanto, a deliberação do supervisor, conhecida na passada sexta-feira, também é vista como uma vantagem pelo executivo de António Costa, que vê nela uma oportunidade de dar uma resposta clara às preocupações da ANAC. O regulador considerou que existem “fundados indícios de desconformidade da estrutura de controlo societário e financiamento” da TAP e da PGA com o regulamento comunitário do transporte aéreo, que obriga a que as companhias de aviação sejam controladas por europeus. E, neste momento, apesar de a Atlantic Gateway ser detida maioritariamente por Humberto Pedrosa, David Neeleman tem acções especiais, que o obrigam a investir muito mais do que o português, mas que também lhe dão mais benefícios económicos. Nem o facto de todas as decisões passarem por Pedrosa satisfez o regulador, já que Neeleman, pela sua experiência no sector, é considerado o verdadeiro estratega da operação.

A entrada da HNA, uma companhia de aviação chinesa, no capital da TAP veio baralhar ainda mais este caso, visto que se concretizará de forma indirecta, através da Azul, de David Neeleman. O grupo chinês vai investir perto de 400 milhões de euros na transportadora aérea brasileira, da qual detém 23,7%. Parte desse dinheiro será destinado a financiar a Azul na compra de obrigações convertíveis da TAP.

O parecer da ANAC não foi divulgado na íntegra, mas está naturalmente a ser estudado pelo Governo, de modo a garantir que o novo acordo não deixará qualquer dúvida ao regulador. Ao que o PÚBLICO apurou, a intenção é clarificar ainda mais quais serão as responsabilidades do Estado na TAP, com uma fundamentação jurídica que dê o conforto necessário para garantir a luz verde do regulador. Embora não haja nenhum representante do executivo no grupo de trabalho criado na segunda-feira, este servirá também para perceber melhor como satisfazer as exigências comunitárias.

O novo acordo vem substituir o modelo de privatização fechado, no final do ano passado, pelo anterior Governo PSD/CDS, que conferia à Atlantic Gateway 61% do capital e apenas 39% ao Estado (dos quais 5% a dispersar pelos trabalhadores). Apesar de já ter sido anunciado no início de Fevereiro, as partes ainda estão a fechar o contrato, que, no final, fará do Estado o maior accionista, com 50% das acções, após um investimento líquido de 1,9 milhões de euros. O consórcio de Pedrosa e Neeleman controlará entre 45% e 50%, dependendo da adesão dos trabalhadores à compra dos 5% que lhes estão reservados. No entanto, além da gestão se manter na esfera privada, o Estado terá, no máximo, 18,5% dos direitos económicos, embora passe a ter uma palavra a dizer na estratégia da empresa, nomeadamente através do voto de qualidade do presidente do conselho de administração, a designar pelo Governo.

Chegou a estar previsto que o acordo final fosse divulgado esta semana, mas o mais provável é que isso não aconteça. Aliás, não haverá como acelerar mais a sua concretização. A data que ficou definida no memorando de entendimento assinado entre o Governo e a Atlantic Gateway, 30 de Abril, é meramente indicativa. Até lá, muito ainda terá de acontecer, da entrada de capital chinês à oferta de venda junto dos trabalhadores.

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