Um acordo na cimeira que ficou pela metade

O tema dos refugiados cruzou-se de uma forma pouco saudável com as negociações para evitar o “Brexit”

Os 28 países da União Europeia chegaram nesta sexta-feira à noite a um acordo que permite a David Cameron regressar a casa e fazer campanha pelo "sim" no referendo sobre a permanência na União Europeia. O que é uma excelente notícia, não só para o primeiro-ministro britânico como também para a Europa. Resta saber agora se Cameron consegue convencer os britânicos da bondade deste acordo arrancado a ferros, numa altura em que as sondagens não dão nenhumas garantias. Uma saída do Reino Unido poderia abrir uma brecha no projecto europeu com consequências imprevisíveis. Mas ontem os líderes europeus deram um passo importante para evitar esse desfecho, numa cimeira em que o tema dos refugiados acabou por ser o grande sacrificado.

Donald Tusk, tal como já tinha acontecido na última grande cimeira de 2015 (que também debateu simultaneamente o “Brexit” e a crise migratória, de forma inconclusiva), talvez tenha sido demasiado ambicioso ao tentar conciliar numa mesma cimeira dois temas demasiado complexos e importantes para serem discutidos em meia dúzia de horas. Pior, os dois temas acabaram por se cruzar na cimeira de uma forma pouco saudável, com a agência France Press a garantir que a Grécia chegou a ameaçar usar o veto na questão do “Brexit” caso não conseguisse a garantia, no tema dos refugiados, de que não iria haver nenhuma fronteira encerrada.

Na frente da crise dos refugiados, o caldo entornou-se logo no arranque da cimeira com a postura da Áustria, que, de forma unilateral, anunciou que só iria deixar passar 3200 refugiados por dia no seu território, limitando a 80 o número diário de pedidos de asilo. Depois aparecem a República Checa, Polónia, Hungria e Eslováquia a fazerem lobbying para que seja blindada a fronteira da Macedónia com o Norte da Grécia, que acusam de não estar a fazer o suficiente para estancar o fluxo migratório. Alexis Tsipras contrapôs e ameaçou, nesse cenário, vetar as negociações com David Cameron. Com este clima de cortar à faca e de total falta de solidariedade, alguém acreditaria que a questão dos refugiados fosse resolvida num único jantar, no meio de duas discussões sobre o “Brexit”? Haver um acordo sobre o tema do "Brexit" já foi quase um milagre.

No meio disto tudo, a chanceler alemã Angela Merkel ainda tentou pelo menos salvar as aparências na questão dos refugiados, dizendo: “Nós não só reafirmamos o plano de acção Turquia-União Europeia como dissemos que será a nossa prioridade.” O tema dos refugiados é, assim, empurrado para uma reunião com a Turquia para o início de Março, e até lá ficaremos com certeza mais aliviados com o desfecho do acordo com o Reino Unido, mas ainda a pensar nas palavras de Martin Schulz: “Encontrar um lugar para dois milhões de refugiados entre 500 milhões de pessoas, em 28 países, não devia ser assim tão complicado.”

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