Misericórdia despeja comerciantes na Baixa de Lisboa

Santa Casa vai despejar um conjunto de lojas na Baixa para fazer obras em cinco edifícios. Comerciante dizem que todos eles se destinam a fins turísticos. Instituição garante que não.

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Misericórdia de Lisboa Vítor Cid

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), na sua qualidade de senhoria, vai “mandar para rua” várias lojas da Baixa, algumas delas centenárias e integradas no programa municipal Lojas com História, acusou esta quinta-feira a União de Associações do Comércio e Serviços (UACS). Os donos destes estabelecimentos, instalados em cinco edifícios de que a Misericórdia é proprietária, foram informados esta semana de que terão que fechar a porta até 30 de Junho.

Em comunicado, a UACS afirma que a SCML já tem a aprovação da Câmara de Lisboa para transformar os edifícios que possui naquela zona em unidades de Alojamento Local. Nesses prédios, diz a associação, todas as lojas antigas terão de encerrar, uma vez que a lei do arrendamento em vigor permite aos senhorios denunciar unilateralmente os contratos com os comerciantes.

Tal como a UACS suspeitava, lê-se no comunicado, “ao fim de cinco anos da entrada em vigor do novo regime do arrendamento urbano, as denúncias unilaterais estão a acontecer, podendo verificar-se o encerramento de milhares de empresas do comércio, o que poderá ter como consequência a desertificação dos centros históricos das cidades no longo prazo”.

A presidente desta organização, Carla Salsinha, disse ao PÚBLICO que os comerciantes estão “desencantados, indignados e perplexos” com o facto de “uma instituição com a responsabilidade cívica e social da Santa Casa, que devia dar o exemplo, estar a fazer despejos unilaterais”. A SCML, acrescenta, “nem sequer aceita negociar com os empresários” a possibilidade de aumentar as rendas e viabilizar a reabertura das lojas após a realização das obras.

A Misericórida começou esta semana a chamar os inquilinos, que são apenas comerciantes e responsáveis dos escritórios que ocupam alguns andares, para lhe comunicar que irão receber dentro de dias a notificação formal para sairem até ao fim de Junho. Alguns deles disseram ao PÚBLICO que estão ali há mais de cinquenta anos, pelo menos num caso há mais de cem, e que têm feito importantes investimentos nas lojas, enquanto que a Misericórdia se limitou a deixar degradar os imóveis nas últimas décadas.

Carla Salsinha diz que os comerciantes não têm nada contra os hotéis e similares que “estão a proliferar como cogumelos na Baixa”, mas defende que a Câmara de Lisboa devia impôr aos promotores a obrigação de garantir a permanência de uma “quota” de comércio em cada quarteirão. “Não podemos permitir que a cidade seja descaracterizada, ficando apenas com hotéis para ver”. E qual será o destino de todos estes equipamentos hoteleiros “quando acabar o boom turístico?” pergunta a presidente da UACS.

O objectivo imediato das associações, salienta, é convencer o Governo e a Assembleia da República a aprovarem uma “alteração cirúrgica” à lei do arrendamento que impeça “o despejo unilateral dos comerciantes”.

Contrariamente ao que afirma a UACS, a Misericórdia assegura que nenhum dos cinco edifícios que possui na Baixa vai ser transformado por forma a colher unidades de alojamento turístico. A instituição não respondeu a uma pergunta do PÚBLICO sobre o número de lojas que serão despejadas, mas disse que já tem os projectos aprovados pela câmara para a reabilitação de dois prédios na R. da Prata, um na R. dos Douradores e outro na Rua Augusta. 

Para dois deles estão previstos usos de comércio e habitação, enquanto que nos outros dois haverá comércio, habitação e escritórios. O quinto edifício, situado na R. dos Sapateiros ainda não tem projecto aprovado, mas o espaço está destinado à “instalação de uma creche”, nada acrescentando quanto a outros usos que o imóvel venha a ter.

A SCML acrescenta que investirá nos cinco prédios cerca de cinco milhões de euros. Quanto ao comunicado da UACS, limita-se a afirmar que, em relação aos arrendamentos comerciais e de serviços existentes, “serão cumpridos os mecanismos legais aplicáveis, nomeadamente o Código Civil e o Regime Jurídico da Obras em  Prédios Arrendados”.

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