Governo muda cobrança de multas nos transportes que não funciona há dois anos

Há mais de 30 milhões de euros em multas por cobrar desde que o anterior Executivo depositou no fisco essa responsabilidade. Vai ser criado um novo sistema dentro do programa Simplex.

Foto
Só na CP, até Junho de 2015 a transportadora acumulava quase 60 mil multas Rita França

Já passaram mais de dois anos desde que o fisco ficou com a responsabilidade de cobrar as multas passadas nos transportes públicos. E já passaram mais de dois anos sem que qualquer multa fosse cobrada. Neste momento, há mais de 30 milhões de euros por reaver, mas o Governo está decidido a resolver o problema. E, por isso, o actual modelo, criado pelo anterior Executivo PSD/CDS no início de 2014 para solucionar um sistema que também era ineficaz, vai ser alterado.

A intenção é lançar uma nova plataforma “para registo/lançamento dos dados dos autos de notícia para efeitos do seu envio alternativo à Autoridade Tributária (AT) e definir os requisitos para envio automático e directo dos operadores que tenham condições para fazê-lo”, explicou fonte oficial do Ministério do Ambiente, acrescentando que esta alteração será feita “no âmbito do programa Simplex”.

Ou seja, a intenção não é alterar a lei de modo a que o fisco deixe de ter esta responsabilidade, até porque já mostrou ser eficiente noutras áreas, nomeadamente nas multas das portagens de auto-estradas. A ideia é que exista outra plataforma onde os autos de notícia podem ser inseridos, já que a actual mostrou não ter capacidade de resposta.

“Existe todo o nosso empenho e das empresas de transportes colectivos na operacionalização tão breve quanto possível da cobrança de multas”, assegurou o Ministério do Ambiente. A mesma tutela confirmou que “se trata de matéria de operacionalização/desmaterialização do procedimento, mais do que de alterações legislativas”. Ainda assim, referiu, embora sem concretizar, que “pode verificar-se a necessidade de se realizarem aperfeiçoamentos muito pontuais na legislação para simplificação do procedimento”. Já o Ministério das Finanças, que tutela a AT, respondeu que esta é “uma medida de simplificação que os serviços se encontram neste momento a trabalhar”.

O PÚBLICO sabe que, na semana passada, o Ministério do Ambiente fez chegar aos operadores de transportes públicos uma carta a pedir que dessem o seu parecer sobre a lei actualmente em vigor e possíveis alterações. Os contributos ainda estão a ser preparados, só devendo ser remetidos à tutela nas próximas semanas.

A acontecer esta alteração, surge numa altura em que pilhas de multas já se acumulam nos escritórios das transportadoras, que acabaram por guardar os autos de notícia em papel, enquanto não houver uma resolução para este problema. Neste momento, há mais de perto de 200 mil autos de notícia por cobrar, com um valor que ultrapassa os 30 milhões de euros. A ausência de cobrança não implica, por agora, perda de receita, já que estas multas só prescrevem ao fim de cinco anos. Ainda assim, tem um efeito contrário ao que se pretendia quando o fisco foi chamado a actuar: o de dissuadir os infractores.

Sistemas incompatíveis
Os dados mais actualizados são os do grupo que hoje agrega a Metro de Lisboa, a Carris e a Transtejo. De acordo com fonte oficial, em 2015 foram registadas 28.382 coimas, no valor de 4,7 milhões de euros. A parte mais significativa coube à segunda empresa (15.823 multas, que correspondem a 2,9 milhões). “As empresas continuam a aguardar informação da AT sobre como proceder para o envio das coimas”, referiu. Já no ano anterior, as três transportadoras tinham acumulado um total de 30.187 autos de notícia, num montante que rondou os cinco milhões de euros.

O caso da CP é ainda mais expressivo. Os dados até Junho de 2015 mostram que, desde que o novo sistema de cobrança foi criado, a transportadora acumula quase 60 mil multas, o que faz com que haja, no acumulado desde Janeiro do ano anterior, 9,8 milhões de euros por reaver. E a este valor ainda é preciso juntar o valor dos autos de notícia passados a partir do segundo semestre, que a empresa não divulgou.

Há ainda o caso da Metro do Porto e da STCP. Nestas duas empresas, embora também não exista informação sistematizada, são passadas cerca de 40 mil multas por ano, num montante global que ronda os 5 milhões de euros, de acordo com fonte oficial. Ou seja, fazendo o cálculo a todas as empresas desde o início de 2014, as pilhas vão já em quase 200 mil coimas por cobrar, alcançando 29,5 milhões de euros. Mas o valor será já superior, visto que falta nesta conta a importante parcela da CP relativa ao segundo semestre de 2015.

Nunca foi totalmente claro o que levou ao atraso no modelo que o anterior Governo quis lançar, com o propósito de aumentar a eficácia da cobrança e reduzir a fraude. Depois de muitas reuniões, e até de algum incómodo por parte da administração fiscal, percebeu-se que estaria relacionado com problemas informáticos, ou melhor, com a incompatibilidade entre o sistema da AT e o dos outros operadores, que antes contavam com o Instituto da Mobilidade e dos Transportes para fazer a cobrança de multas, embora o método não fosse totalmente rápido e eficaz. O executivo PSD/CDS foi prometendo, mês após mês, que o sistema entraria em funcionamento, mas nada sucedeu. E as transportadoras esperam que a mudança governamental traga, de vez, uma solução.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários