O momento Trump de Passos Coelho

O líder do PSD já só pensa na reeleição. E mostra que não tenciona dar o mínimo espaço ao Governo.

No mesmo dia em que o Governo aprova a proposta de Orçamento do Estado em Conselho de Ministros, Passos Coelho apresenta a sua recandidatura à liderança do PSD. Como não há coincidências em política, é óbvio que nada disto é por acaso.

Numa altura em que os holofotes estão centrados no instrumento político mais importante e definidor das opções do executivo, Passos cria um evento paralelo e rouba uma parcela do protagonismo aos responsáveis do documento. É o momento Trump do ex-primeiro-ministro. Não sendo actor de primeira linha nessa ocasião particular, cria um evento paralelo para chamar a atenção sobre si próprio, como ainda fez a semana passada o candidato à nomeação republicana, quando resolveu boicotar o último debate entre os concorrentes do partido antes da votação no Iowa. Não participou, mas resolveu organizar, à mesma hora, um encontro com veteranos que logrou ampla cobertura mediática.

Isto só prova que, passada a fase inicial de paralisia e indignação face à solução governativa saída das legislativas, Passos recompôs as tropas e já dispõe hoje de uma equipa de spin atenta e oportuna. Mas nesta sua quarta caminhada em direcção à presidência do PSD, Passos Coelho tem pela frente dois problemas essenciais. O primeiro tem que ver com a mensagem. Não basta apresentar-se sob o lema "Social-democracia sempre!" para fazer descolar o PSD do buraco negro onde a sua liderança o colocou nestes anos de troika: completamente encostado à direita, quase sempre com um discurso mais radical do que o do CDS. O PSD nunca foi um partido ideológico. A não ser Francisco Sá Carneiro, o único com visão e projecto, nenhum outro líder se preocupou com essas minudências.

A génese do PSD fez dele uma espécie de albergue espanhol onde foram convivendo alegremente salazaristas e anti-salazaristas, sociais-democratas e liberais, personalistas com republicanos históricos e correntes cristãs. Daí, não ser de estranhar que o PSD tenha sido um pouco de tudo e o seu contrário: conformista, irrequieto, conservador, reformista, liberal, estatizante, enfim, o partido mais difícil de rotular do espectro político português. Sá Carneiro tentou a sua entrada na Internacional Socialista e durante anos o PSD preferiu o pequeno grupo dos liberais em vez do poderoso PPE, que acolhia democratas-cristãos e conservadores populistas, apenas porque, na altura, este grupo era considerado mais à direita. O PSD nunca gostou de ter o rótulo de direita e grande parte do seu eleitorado também não. Aparentemente, Passos Coelho também acha agora que sem o centro e a moderação nunca voltará ao poder. É um desafio. O outro é ele próprio. Será ele, o rosto das políticas de austeridade, o líder mais credível para recentrar o partido e, sobretudo, para o conduzir à vitória? Mais, e o PSD acredita mesmo nisso? A resposta virá em breve, ou sob a forma de uma candidatura alternativa, ou sob o manto diáfano da unanimidade.

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