Os tangerinos

O limão tangerino tem uma identidade própria que tem de ser preservada. A qualquer custo.

É bom receber coisas boas e inesperadas, como um saco cheio de laranjinhas militantemente ácidas. Numa caligrafia bonita a minha benfeitora esclarecia “aqui vão uns limões tangerinos. Nós usamos nos Açores para temperar carnes e peixes e fazer cocktails”.

Os limões tangerinos – é irresistível dizer o nome deles, várias vezes, em voz alta – parecem tangerinas, descascam-se como tangerinas e têm gomos como tangerinas mas, quando se comem, têm um sabor deliciosamente amargo. Não sabem a limão: é esse o mistério.

A casca tem um cheirinho fresquíssimo. Espremendo-a soltam-se bolhinhas de um óleo que foi, de facto, feito para “cocktails”. Lembrei-me do útil livro Bitter de Jennifer Mclagen e da sua apologia fervorosa dos ingredientes amargos.

Os limões argentinos, para além de desafiar os cozinheiros, prestam-se a fazer doces (um marmalade açoriano), a fazer um amaro ou a substituir o limão e a lima em cocktails como a Margarita e o Sidecar. Por outro lado, o limão e a lima ficam tão bem nessas bebidas que parece fraudulentamente sensacionalista substituí-los.

Comemos logo um limão tangerino a meias. A acidez é excitante. A saliva fica doce. O céu da boca enche-se de estrelinhas.

Não quis fazer um sumo ou acrescentar açúcar. Porquê contrariar a alma dos limões tangerinos, tão desenfreadamente viva? Foi fácil esquecer-me dos limões e das tangerinas. O limão tangerino tem uma identidade própria que tem de ser preservada. A qualquer custo.

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