IGAS aponta irregularidades na contratação de ex-director de serviço do Hospital da Guarda

Relatório fala de “gestão descuidada” e diz que a situação pode colocar em acusa os “princípios da legalidade, igualdade de tratamento, imparcialidade e transparência”.

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Sérgio Azenha

A Inspecção-geral das Actividades em Saúde (IGAS) detectou dez “irregularidades relevantes” no processo de contratação do ex-director do Serviço de Cirurgia Geral (SCG) do Hospital Sousa Martins da Guarda, António Ferrão, e notificou, em relatório de 11 de Janeiro, o Conselho de Administração (CA) a corrigi-las.

A contratação de António Ferrão, em Julho de 2013, foi alvo de muita contestação interna e um grupo de médicos queixou-se à IGAS, que acabou por abrir um inquérito. Os especialistas acusam a administração do hospital, que integra Unidade Local de Saúde da Guarda (ULSG), de não ter consultado previamente os médicos do SCG, questionando-os se estavam interessados em ocupar o lugar de director.

“Os especialistas do serviço nunca aceitaram que a direcção do SCG fosse confiada a um médico que fora recrutado no âmbito do regime de mobilidade interna", diz um dos contestatários. A este propósito, o relatório da IGAS refere que “foi autorizada a mobilidade interna” a pedido do médico, “no entanto, as funções de carácter específico [de António Ferrão] foram praticadas sem observância das normas que determinavam que o das mesmas fosse cumprido em regime de comissão e serviço”. António Ferrão acabou por deixar o cargo no primeiro semestre do ano passado, na sequência de um relatório preliminar da IGAS sobre o caso, passando Augusto Lourenço a desempenhar essas funções.

Uma das queixas dos médicos teve a ver com a escala de serviço de urgência do SCG. A própria IGAS reconheceu que, “à data dos factos, o mapa de pessoal da ULSG – instrumento referencial no que concerne aos recursos humanos necessários à instituição/ ao serviço para o desenvolvimento das respectivas actividades – não se encontrava elaborado/concluído”.

O relatório também assinala que “o Serviço de Recursos Humanos não teve conhecimento da vacatura/nova admissão ao cargo de direcção em causa” e que apenas “em 29 de Novembro de 2013 informou sobre o facto de ser ao médico Augusto Lourenço a quem estava a ser efectuado o pagamento de um acréscimo referente a funções de direcção”.

Para a IGAS, o “CA não seguiu as normas legais no que respeita ao preenchimento do cargo de direcção”. E explica: “Admitiu pessoal (trabalhador que detinha uma relação jurídica em emprego público com outra instituição de saúde) para o referido cargo, apresentando-o responsável, mantendo-o interinamente nomeado (…) e atribuindo-lhe funções especificas próprias de direcção, inclusive, expressas no horário de trabalho, bem como em outros documentos autorizados, sem correspondência material/formal a regime legal em vigor/aplicável às funções que passou a exercer, não provendo a designadamente a celebração de acordo/contrato escrito que titulasse a relação jurídica subjacente ao exercício dessas funções específicas, situação que originou no serviço mal-estar, nada abonando à imagem da ULSG”.

Por estas razões, a IGAS admite que possam ser “assacadas responsabilidade financeira sancionatória aos elementos que integram o CA, designadamente, pela não observação das normas aplicáveis à ULSG EPE para a admissão/preenchimento do cargo de director de serviço do SCG e pelos factos que, em simultâneo, revelaram uma gestão descuidada ao permitir o pagamento de um acréscimo de direcção a ‘director de serviço’ do mesmo serviço, doutor Augusto Lourenço, colocado em ‘gestão corrente’, sem funções específicas atribuídas entre Julho e Dezembro de 2013 (…), pese embora as funções de direcção foram atribuídas a António Ferrão”.

Segundo a IGAS, “a situação verificada pode colocar em causa os princípios da legalidade, da igualdade de tratamento, da imparcialidade e da transparência que enformam a actuação da Administração Pública”. E diz que “a não atribuição, nos termos legais, de director de serviço do SCG poderá perpetuar e agravar o risco da perda de qualidade dos serviços prestados e da organização dos mesmos”.

A Inspecção-geral das Actividades de Saúde coloca o dedo numa questão delicada para aquela unidade de saúde, referindo que “a avaliação/auditoria clínica pelo Colégio de Especialidade de Cirurgia Geral da Ordem dos Médicos ao Serviço de Cirurgia Geral da ULSG já havia apontado em 6 de Setembro de 2012, como ponto fraco a não existência de um director de serviço e a falta de registos clínicos que comprometiam a qualidade dos serviços prestados”.

Um dos médicos que subscreveu algumas das queixas solicitou esta semana ao secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado, a realização “com a máxima urgência” de uma auditoria externa ao Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Sousa Martins, “visando a “análise da morbilidade e da mortalidade nos últimos anos”.

O médico aproveitou a visita do governante ao Hospital da Guarda para o sensibilizar para esta questão. “Não tenho quaisquer dúvidas de que a actual situação do Serviço de Cirurgia e o teor do relatório da IGAS não deixarão, mais cedo ou mais tarde, de resvalar novamente para uma cobiça mediática que não é do interesse de ninguém”, escreve o especialista na carta a que o PÚBLICO teve acesso.

O PÚBLICO contactou, por duas vezes, a administração da ULS da Guarda, sem sucesso.

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