“Enquanto duvidarmos da palavra das vítimas, vão continuar a morrer pessoas”

Três perguntas a Daniel Cotrim, psicólogo e assessor técnico da direcção da APAV.

As mulheres vivem hoje situações muito mais graves em poucos anos de relação, até à primeira denúncia, do que viviam há uns anos atrás, diz Daniel Cotrim, psicólogo e assessor técnico da direcção da APAV.

Estes dados sugerem que as mulheres em perigo denunciam tarde de mais?
O tempo das vítimas não é o tempo da justiça, e esse tempo [das vítimas] não é respeitado. Há 10 ou 15 anos, as mulheres viviam as situações de violência durante 20 ou 30 anos. Agora, as mulheres vivem relações de seis anos até à primeira denúncia. É muito mais grave em seis anos do que era há 10 ou 15 anos. Elas sabem que estão a ser vítimas de um crime. Os tempos são mais reduzidos. A própria idade das vítimas alterou-se, são mais jovens. E a violência doméstica não está apenas em sítios recônditos ou em bairros sociais, está nos agregados familiares diferenciados.

As dúvidas em denunciar continuam a ser as mesmas?
Muitas vezes, a vítima não se sente protegida e por isso cala-se. E está cansada de repetir vezes sem conta a sua situação: à PSP, ao juiz de instrução, e em sede de julgamento, muitas vezes, o juiz vai querer voltar a ouvi-la mesmo quando há depoimento para memória futura. Enquanto nós duvidarmos da palavra das vítimas no que toca a crimes contra as pessoas, vão continuar a morrer pessoas.

Durante esse processo, a vítima por vezes deixa de colaborar. Outras vezes, pede suspensão. Tem dúvidas relativamente ao que está a fazer. Isso compromete o processo?
Pode haver ambivalência e podem existir dúvidas e nós temos de respeitar o direito das vítimas às dúvidas. Devíamos estar muito centrados naquilo que aconteceu e fazer a recolha da prova. A questão da prova é muito importante.

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