Opositores às uniões gay fazem demonstração de força em Roma

Lei que começou a ser discutida no Senado prevê uniões civis e direito à co-adopção para casais do mesmo sexo. Mobilização torna mais imprevisível aprovação da proposta que está a dividir o Governo de Renzi.

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Centenas de milhares de pessoas encheram neste sábado o Circo Máximo Remo Casilli/Reuters

Uma multidão encheu esta tarde o Circo Máximo, antigo hipódromo romano no coração de Roma, para exigir ao primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, que desista da proposta de lei que visa reconhecer as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo e da ainda mais polémica disposição que lhes reconhece o direito à co-adopção. A forte mobilização aumenta as dúvidas sobre a aprovação de um diploma que divide o próprio Governo.

“Somos dois milhões, Renzi tens de nos ouvir”, proclamou Massimo Gandolfini, principal organizador deste Family Day que, uma semana depois de uma manifestação em sentido contrário, juntou em Roma opositores ao diploma vindos de toda a Itália – desde a manhã que centenas de autocarros chegaram às imediações do vasto recinto próximo do Coliseu de Roma. As autoridades esperavam 500 mil manifestantes, mais do que o local oficialmente comporta, mas a organização assegura que a afluência bateu a mobilização de um evento semelhante em 2007 que acabaria por ditar a morte de uma tentativa do então governo de Romano Prodi para legalizar as uniões homossexuais.

Nove anos depois, Itália é um dos poucos países da Europa ocidental a não reconhecer na lei qualquer forma de união entre pessoas do mesmo sexo, uma excepção que levou por diversas vezes o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a criticar a inacção de Roma. O primeiro-ministro chegou a prometer que a nova lei seria aprovada até ao final de 2015.

Mas o diploma conta com a firme oposição da Igreja Católica, força omnipresente na sociedade italiana – da conferência episcopal, mas também do Papa Francisco, que na semana passada reafirmou que “a família que Deus quer” é a que resulta do casamento entre homem e mulher – e divide o próprio executivo. Entre os opositores está Angelino Alfano, ministro do Interior e líder do partido centrista que integra a coligação encabeçada pelo Partido Democrático (PD) de Renzi.

Os organizadores da manifestação deste sábado recusam qualquer rótulo de homofobia. “Esta praça não faz guerra contra ninguém”, assegurou Gandolfini, neurocirurgião católico que é o rosto mais conhecido do movimento de contestação e que, pouco antes da concentração, foi recebido por Alfano. Insistem, no entanto, que as uniões civis (contrato em que o Estado reconhece vários direitos aos casais, sejam hétero ou gay) são um “ataque à família tradicional”, e repudiam a porta aberta pelo diploma à possibilidade de um homossexual adoptar o filho natural do seu companheiro. Dizem que a co-adopção servirá de incentivo às inseminações com dadores anónimos ou às barrigas de aluguer, não previstas na lei italiana.

“Não podemos deixar as crianças pagar pelos desejos e os caprichos dos adultos. As crianças precisam de um pai e de uma mãe”, disse Simone Pillon, outro dos organizadores da concentração, exigindo que a lei seja enterrada “sem ‘ses’ nem ‘mas’”. Acima da multidão de gente – onde se destacavam famílias, mas também padres de batina e também muitas caras dos partidos de centro e direita – erguiam-se cartazes onde se lia: “as crianças não são um direito, são um dom de Deus”.  

A proposta começou a ser debatida no final da semana passada no Senado, com a perspectiva de uma votação final em meados de Fevereiro. Mas a oposição de Alfano, bem como do sector católico do PD e de grande parte dos senadores da Força Itália (direita) torna incerta a aprovação do diploma, que teria em seguida de ser discutido e votado na Câmara dos Deputados.

Renzi, também ele católico praticante, navega em águas difíceis. Em 2007 manifestou-se contra a proposta de Prodi, mas agora insiste que Itália não pode continuar “a ser o único país da União Europeia sem legislação sobre as uniões civis”. Resta saber se está disponível a deixar cair a co-adopção para salvar a parte menos polémica do diploma – uma sondagem recente indica que 70% dos italianos aprova o reconhecimento legal da união entre pessoas do mesmo sexo, mas só 24% defende o direito destes casais a adoptar.

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