A descentralização passo a passo

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Rui Gaudêncio

Comissões de Coordenação
Durante décadas, as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional foram as principais instâncias de produção de políticas regionais e as autoras dos principais instrumentos de planeamento. O seu raio de acção incide sobre a área das regiões-plano, criadas nos anos 70 do século passado, e em casos como o do Norte tornaram-se o principal viveiro de personalidades políticas do país – casos de Valente de Oliveira, Braga da Cruz, Arlindo Cunha ou Elisa Ferreira. Mas nos últimos anos o seu protagonismo decaiu em favor das áreas metropolitanas e, mais recentemente, das Comunidades Intermunicipais. Hoje limitam-se a propor e gerir a programação dos ciclos de fundos estruturais, a intervir em áreas como o ordenamento ou o ambiente e a missões de fiscalização.

Na ideia do Governo há a intenção de reforçar o seu leque de atribuições e de lhes conceder maior peso político, passando o seu presidente a ser eleito por um colégio de autarcas da região. Em aberto poderá estar um reforço de competências que chega a alterar a orgânica dos ministérios que executam “funções de estado de carácter universal”, como a Educação, a Saúde ou a Acção Social. Se a passagem de poder do centro para as regiões for intensa, o Governo admite inclusivamente a transferência das direcções regionais dos ministérios para as comissões. “Está no programa do Governo a concentração nas CCDR de estruturas desconcentradas do Estado que sejam objecto do programa de descentralização. Mas essa é uma negociação que vamos ter com os vários ministérios. Não faz sentido estar a dizer antecipadamente se esta ou aquela estrutura vai ser integrada nas CCDR”, diz Eduardo Cabrita.

A possibilidade das antenas do Estado central passarem para a gestão de organismos regionais não está, por isso, descartada. “Se a competência é colocada a nível local, as estruturas técnicas de apoio têm de estar no nível regional”, diz Cabrita, antecipando o que seria uma reforma profunda na administração pública. Tão profunda que há quem duvide da sua exequibilidade. Como Rio Fernandes, que afirma: “Custa-me a pensar que, sem regionalização, as direcções regionais passem a responder perante a CCDR e deixem de responder perante a tutela. Não vão passar de uma total dependência para uma completa autonomia. Vai começar é a haver uma dupla tutela”, afirma.

Áreas Metropolitanas
Nos territórios em torno das grandes cidades encontra-se quase metade da população nacional e a maior fatia de produção da riqueza. Os relatórios de organizações internacionais, como a OCDE, insistem que a eficiência e a fluidez de sistemas transversais de serviços de educação, de transportes ou de inovação são cruciais para o desenvolvimento. A competitividade de Lisboa e do Porto é por isso considerada crucial. Com a reforma em curso, o Governo tenta desenhar soluções para as tornar mais eficazes e competitivas. E, neste capítulo, Lisboa e Porto apresentam enormes problemas. “Não estamos a conseguir ordenar um território que está sob grande pressão”, diz Teresa Marques. Luís Ramos, sendo um reputado especialista nas questões do interior, reconhece que “os problemas das áreas metropolitanas são maiores do que os que são colocados pela desertificação. Há enormes custos para a competitividade por causa da falta de articulação de políticas. É um problema sério”, diz.

Se até agora o líder das AM era um presidente de Câmara que tinha de fazer vingar os seus projectos num conselho onde se sentavam novos presidentes de câmara, o que muitas vezes bloqueava o processo de decisão, a eleição directa vai reforçar o seu poder e protagonismo políticos, o que pode gerar tensões em matérias polémicas como a distribuição de fundos comunitários ou no investimento em equipamentos públicos. Um risco que o Governo desvaloriza. O que importa “é ter uma visão do desenvolvimento territorial baseado no diálogo e no consenso”, nota Eduardo Cabrita.  

Comunidades Intermunicipais
São uma evolução das anteriores associações de municípios. Correspondem, no geral, aos territórios das NUT III (unidades territoriais para efeitos estatísticos) e o seu modelo de gestão, com um presidente eleito entre um colégio de presidentes de câmara e um secretário executivo, é igual ao das áreas metropolitanas – que, até agora, são consideradas em plano de igualdade com as Comunidades Intermunicipais. A sua orgânica concretizou-se com o Plano Relvas, de 2003, e mais recentemente o Governo concedeu aos municípios a possibilidade de passarem de uma CIM para outra CIM vizinha. Na sequência desse rearranjo, o número de CIM baixou de 30 para 25. As maiores transformações ocorreram no Centro, que passou de 12 para oito CIM (NUT III como a do Pinhal Interior desapareceram).

Toda esta mudança tinha por base a ideia de tornar as CIM como núcleos base das políticas territoriais e a pedra angular da programação do actual ciclo de fundos estruturais, o Programa 2020. Cada CIM foi convidada a desenvolver planos estratégicos e a assinar pactos de desenvolvimento territoriais com o Estado central. Para Eduardo Cabrita, as CIM foram um ganho, que superou “a total confusão territorial” baseada no “voluntarismo” ou numa “lógica estritamente partidária”. Mas, acrescenta o ministro, “não são nem vão ser novos tipos de autarquias locais. São modelos de cooperação intermunicipal”.

O escasso protagonismo concedido pelo Governo às CIM merece críticas a António Covas. “O que o ministro disse ficou-se pelas CCDR e pelas AM. É curto. A reforma faz-se na cabeça, mas por baixo nem sequer se discute o problema. Na sub-regionalização não vai haver nada de novo. Talvez o Governo não queira para já provocar turbulência cá por baixo”, diz o docente da Universidade do Algarve. Teresa Marques aponta para a necessidade de se olhar com atenção para os seus méritos, afirmando que “mais do que falar com cada município, a região tem de falar com as CIM. Nos territórios de baixa intensidade são as estruturas com a escala apropriada para avançar com estratégias de promoção do investimento e do desenvolvimento”. Para já, o Governo não admite transformar estas comunidades em autarquias, como vai fazer com as AM, mas, a prazo, essa possibilidade pode acontecer. “As CIM terem um presidente eleito? Por que não? Mas neste caso teria de haver muitas competências de municípios a serem transferidas para esta escala”, diz Teresa Marques.

Municípios
Os municípios (a designação “concelho”, que perdurava desde os tempos medievais, foi extinta) vão ser os principais destinatários das políticas de descentralização. Se no esboço da reforma na mente do Governo as CCDR vão ter um papel de coordenação em áreas como a educação, saúde ou acção social, a execução no terreno das prioridades destes sectores será feita pelas autarquias locais. A reforma ficará por aí. “Não haverá alteração do quadro municipal em termos de mapas”, avisa Eduardo Cabrita, respondendo aos que consideram urgente promover uma geografia administrativa que se mantém praticamente inalterada desde meados do século XIX. O que o Governo pretende é reforçar a transferência de competências e de recursos, tendo por base a convicção de que “não há simplificação administrativa sem a decisão de proximidade”.

Freguesias
As unidades menores do mapa administrativo do país vão ver as suas prerrogativas de acção reforçadas, promete Eduardo Cabrita. Mas pode ser que haja diferentes envelopes de competências a transferir para as freguesias urbanas e para as freguesias rurais. “A experiência de Lisboa mostrou-nos uma coisa importante: as freguesias fazem sentido em espaço urbano” e dada a existência de “espaços com naturezas diferentes, aí as competências podem variar – entre urbano e rural”. Continua o ministro: “Temos aqui uma lógica em que se trata por igual o que é diferente. É um entorse que leva por inércia a soluções centralistas”. O Governo promete ainda avaliar o resultado do processo de união de freguesias. “Vamos avaliar o que foi feito. Onde houver erros, que sejam corrigidos. Mas não se trata de voltar ao quadro anterior”, garante Eduardo Cabrita.

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