Perguntas e respostas: a avaliação de Bruxelas ao OE português

O que preocupa a Comissão Europeia, o que é que Bruxelas pode fazer e quais as consequências para Portugal.

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Reuters

O que é o défice estrutural e porque é tão importante?
Ao contrário do défice nominal (aquele que normalmente é mais referido), o défice estrutural não leva em consideração, nem as medidas de carácter extraordinário que um Governo adopte, nem o efeito que a conjuntura económica pode ter na evolução das finanças públicas de um país. O défice nominal de um país pode descer bastante, mas se tal for conseguido exclusivamente graças ao efeito da melhoria da situação económica, o défice estrutural pode ficar na mesma.

É por isso que este passou a ser o indicador preferido em Bruxelas para medir o verdadeiro esforço de consolidação orçamental que um país está a fazer. A regra que impõe um défice nominal abaixo de 3% mantém-se, mas em complemento cada Governo tem de cumprir metas de redução do défice estrutural que coloquem este indicador numa situação de equilíbrio a médio prazo.

O cálculo do défice estrutural não está isento de alguma polémica porque está dependente de factores não totalmente objectivos como a taxa de crescimento potencial de uma economia.

Que metas é que a Comissão Europeia quer ver Portugal a cumprir?
Seguindo o que está definido nas regras do Pacto de Estabilidade, Portugal deve apontar para um valor nominal do défice que fique com forte probabilidade abaixo de 3%. Isto é, não só a meta deve ser de um valor inferior a 3% como desejavelmente deve ser dada uma margem de segurança que previna a ocorrência de imprevistos.

Para além disso, o défice estrutural deve continuar a caminhar para o seu objectivo de médio prazo, que é de 0,5% do PIB. O Tratado estabelece a necessidade de uma redução de 0,5 pontos percentuais em cada ano, mas no caso de Portugal ficou definido, por resolução do Conselho de Julho do ano passado, que em 2016 o corte deve situar-se em 0,6 pontos percentuais.

Depois de Portugal registar em 2015 um défice nominal de 4,2% (que pode ser visto como de 3% se não se considerarem as despesas associadas com a resolução do Banif), não confirmando a saída do procedimento por défice excessivo, e de não apresentar qualquer redução do défice estrutural, a pressão para que Portugal cumpra as metas pode intensificar-se este ano.

Quais são os procedimentos da Comissão perante a entrega do esboço do OE?
Por causa das eleições, Portugal foi o único país que não entregou até 15 de Outubro do ano passado, o seu esboço para o Orçamento de 2016. Fê-lo na passada sexta-feira, dando início a um processo que está previsto nas regras do denominado Semestre Europeu.

A Comissão Europeia começa então por fazer uma primeira análise preliminar ao documento para decidir se encontra sinais de se estar perante um “incumprimento particularmente sério das obrigações de política orçamental definidas no Pacto de Estabilidade e Crescimento”. Se tal acontecer abre um processo de avaliação mais rápido do que o normal, com a duração de 15 dias após a apresentação do esboço do OE. Se não for detectado esse incumprimento, a avaliação é feita de forma mais demorada.

De qualquer uma das avaliações podem sair recomendações da Comissão para que os Estados-membros procedam a alterações da proposta orçamental, que, nessa fase, estará em princípio a ser debatida nos respectivos parlamentos, competindo a estes modificá-los. No caso português, é possível que a recomendação da Comissão surja em data muito próxima da entrega pelo Governo da proposta de OE na Assembleia da República.

Em que ponto do processo é que Portugal se encontra neste momento?
Pelo conteúdo da carta enviada pela Comissão ao ministro das Finanças português, Bruxelas está ainda a decidir se encontra efectivamente um “incumprimento particularmente sério das obrigações de política orçamental” que obrigue à publicação da avaliação no prazo de 15 dias. Mas os comissários mostraram claramente estar com dúvidas, ao perguntar porque é que o Governo aponta para uma redução do défice estrutural de 0,2 pontos percentuais, quando o valor recomendado pelo Conselho é de 0,6 pontos.

Há outros países na mesma situação?

Na análise dos orçamento para 2016, nenhum outro país europeu foi considerado pela Comissão Europeia como estando em incumprimento "particularmente sério" das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Houve apenas a indicação de existência de "riscos de incumprimento" a alguns Governos, uma medida menos grave que não tem como consequência imediata a apresentação pelo Estado membro de uma versão revista da proposta orçamental. nesta situação ficaram por exemplo a Espanha e a Itália.

Em relação ao orçamento para 2015, contudo, a Comissão Europeia começou por detectar, no caso da França e da Itália, um incumprimento "particularmente sério". Tanto paris como Roma reagiram com a apresentação de novas medidas de consolidação orçamental e com novos planos de reformas estruturais, que levaram Bruxelas a mudar a sua avaliação para um simples "risco de incumprimento".

Que consequências é que Portugal sofre se não cumprir as recomendações de Bruxelas?
Se as autoridades europeias pedirem ao executivo a adopção de mais medidas e Portugal optar por não as cumprir total ou parcialmente, as regras orçamentais definem que esse facto servirá para influenciar “a avaliação contínua, efectuada pela Comissão, da eficácia das medidas destinadas a corrigir a situação de défice excessivo”. De igual modo, os regulamentos dizem que “ao determinar se foram tomadas medidas eficazes para corrigir o défice excessivo, o Conselho deverá também basear a sua decisão no facto de o Estado-membro ter ou não seguido a recomendação da Comissão”.

Isto significa, por exemplo, que se houver dúvidas em relação à saída de Portugal do procedimento de défices excessivos ou se o país precisar de que a Comissão conceda mais um ano para o fazer, estas intenções podem sair prejudicadas pelo facto de o Governo não ter seguido as recomendações. Em última análise um prolongamento da situação de défice excessivo sem que o país adopte as medidas recomendadas para o corrigir pode levar à aplicação de multas.

Que outras consequências poderiam surgir?
No actual cenário, uma das consequências a que o Governo tem de estar mais atento é a reacção dos mercados a eventuais críticas de Bruxelas aos seus planos orçamentais. A taxa de juro da dívida pública emitida pelo país pode ser colocada sob pressão num cenário em que a Comissão Europeia acuse o executivo de não estar a fazer esforços de consolidação orçamental. Um problema que se agrava se, em simultâneo, outros actores como as agências de rating ou o Conselho das Finanças Públicas tiverem a mesma opinião. Pela positiva, o programa de compras de dívida pública posto em prática pelo BCE deverá continuar a ser, como já aconteceu no passado, uma ajuda preciosa para a capacidade de financiamento do país nos mercados.

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