“Grécia negligenciou seriamente as suas obrigações” na gestão da sua fronteira

Comissão Europeia abre a via ao prolongamento até dois anos dos controlos das fronteiras interiores do espaço Schengen.

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Às ilhas gregas continuam a chegar barcos carregados de migrantes e refuguiados Yannis Behrakis /Reuters

Um projecto de relatório adoptado esta quarta-feira pela Comissão Europeia concluiu que “a Grécia negligenciou seriamente as suas obrigações” na gestão da fronteira exterior do espaço Schengen, anunciou o comissário europeu Valdis Dombrovskis.

“O projecto de relatório conclui que a Grécia negligenciou seriamente as suas obrigações e que há graves deficiências nas fronteiras exteriores que devem ser ultrapassadas”, disse aos jornalistas o vice-presidente do executivo europeu. Se tal não acontecer no espaço de três meses, alertou o comissário, Atenas poderá ser temporariamente suspensa do espaço de livre-circulação comunitário.

O documento, que ainda não é público, foi “adoptado” esta quarta-feira pela Comissão Europeia e baseia-se numa visita de peritos efectuada no mês de Novembro à fronteira grega com a Turquia. Essa inspecção, que incidiu sobre a fronteira terrestre e as duas ilhas do mar Egeu mais próximas da costa turca – e que são a porta de entrada no espaço comunitário mais procurada pelas populações em fuga da guerra, pobreza e perseguição política – detectou “inúmeras” falhas das autoridades gregas no cumprimento das políticas migratórias da União Europeia.

“Sabemos que a Grécia está sob pressão. Mas os inspectores constataram que não foi montado um sistema eficiente para a identificação e o registo de imigrantes irregulares, que as suas impressões digitais não estão a ser inseridas no sistema e que os documentos de viagem não estão a ser sistematicamente verificados para confirmar a sua autenticidade ou para perceber se constam nas bases de dados de segurança”, notou Valdis Dombrovskis.

Se o documento for aprovado por uma comissão de avaliação composta por representantes dos Estados-membros da União Europeia (é necessária uma maioria qualificada), será desencadeado um “plano drástico de acção” da Comissão Europeia, propondo soluções para as lacunas observadas na gestão da fronteira exterior da Grécia. “A Grécia terá então três meses” para reagir, indicou a Comissão Europeia, que exige que o Governo de Alexis Tsipras apresse a construção de centros de processamento de imigrantes e melhore o funcionamento daqueles que já se encontram operacionais.

No fim do prazo, os parceiros avaliarão se Atenas tomou as medidas adequadas. Se considerarem que as deficiências persistem, o caminho fica livre para que os Estados-membros recebam a autorização de prolongar até dois anos os controlos das fronteiras interiores do espaço Schengen, deixando na prática a Grécia fora deste espaço de livre circulação na Europa.

“Há uma tendência entre os nossos parceiros de começarem a justificar o encerramento das fronteiras que é muito inquietante, isso seria o fracasso total da Europa”, reagiu o ministro grego da política migratória, Yannis Mouzalas, fazendo eco dos críticos que vêem na reintrodução dos controlos fronteiriços um primeiro passo para o desmantelamento do espaço de livre-circulação que é um dos pilares do projecto europeu.

Um bloqueio dos países do centro da Europa, que são o destino procurado pelos milhares de estrangeiros que desembarcam clandestinamente na Grécia, deixaria o país numa situação “muito difícil”, já que ficaria com toda a responsabilidade de lidar com os refugiados e migrantes que chegam da Turquia (850 mil em 2015), sublinhou o ministro grego, que também alertou para um regresso em força dos traficantes e passadores.

Yannis Mouzalas disse ainda que a Grécia “está aberta a todas as propostas dos seus parceiros” para travar as chegadas da Turquia, mas fez questão de sublinhar que “não há” nenhumas propostas em cima da mesa.

Respondendo às críticas apontadas pela Comissão, nomeadamente quanto ao mau funcionamento dos cinco “hotspots” para o registo de migrantes previstos, o ministro reconheceu que “o trabalho não progrediu como se desejava”, mas garantiu que estão a ser ultimados e vão entrar em pleno funcionamento “no final de Fevereiro, ou no máximo no princípio de Abril”.

Em declarações à AFP, o representante do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Philippe Leclerc, considerou que a Grécia fez “progressos consideráveis” na sua tentativa de responder à pressão migratória, mas admitiu que o país precisa ainda de melhorar os procedimentos à chegada ao país, nomeadamente para fazer a distinção entre as populações que legitimamente podem ser classificadas como refugiados e aqueles que pretendem abusivamente ser integrados como exilados políticos. “É preciso organizar o mais rapidamente possível os repatriamentos voluntários, ou forçados, dos migrantes que não cumprem os requisitos, para que o sistema de protecção dos refugiados não seja posto em causa”, afirmou.

Pelo seu lado, o director do Centro Europeu de Documentação e Investigação (CDRE, na sigla em francês), Henri Labayle, disse que ao mesmo tempo que os parceiros acusam a Grécia de não estar a altura das suas obrigações, também têm de reconhecer que “é a Turquia que está a inundar a União Europeia com uma pressão migratória que está perfeitamente em condições de regular, se quisesse”.

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