A “vergonha” de Hollywood com falta de diversidade na capa da Variety

“Shame on us”, titula a revista, que mostra números da discriminação e pede contas à indústria. É a estrutura de Hollywood que está viciada, diz a Variety.

A capa da edição desta semana da <i>Variety</i>
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A capa da edição desta semana da Variety DR
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O painel de nomeados para os Óscares de 2016 REUTERS
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Chris Rock será o apresentador dos Óscares a 28 de Fevereiro Mike Segar/REUTERS
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Cheryl Boon Isaacs, presidente da Academia Mario Anzuoni/REUTERS
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Spike Lee não irá aos Óscares, bem como Will Smith e Jada Pinkett Smith VALERIE MACON/afp

Uma das mais importantes publicações sobre a indústria de cinema, a revista Variety, fez na terça-feira da sua capa um statement – “Shame on us”, a vergonha da indústria na qual se inclui pela sua falta de diversidade. O debate sobre raça, minorias ou igualdade de género que nos últimos anos agita os EUA e Hollywood atingiu um pico com a polémica em torno das nomeações so white, tão brancas, para os Óscares de 2016. Seguiram-se planos para um boicote, inúmeras declarações públicas sobre o tema e uma promessa de mudança estrutural na Academia que entrega os Óscares.

A revista faz um apanhado de números e declarações dos principais responsáveis da indústria que sublinha: “a culpa não reside apenas nos Óscares fazedores de estrelas”, escreve, “mas em nós. A hierarquia dos estúdios de Hollywood continua um clube exclusivo liderado por homens brancos e uma mulher branca. As grandes agências de talentos [actores, realizadores, guionistas] quase não têm sócios de minorias. E os média que cobrem tudo isso – a Variety incluída – empregam apenas poucas pessoas” de outras etnias.

E seguem-se os números, esmagadores na sua prova de que não só, como dita a hashtag que explodiu novamente a 14 de Janeiro, são os OscarsSoWhite, mas também que a estrutura da indústria se ergue sobre um status quo caucasiano e grisalho. A Variety refere que 93% dos membros votantes da Academia são brancos (77% dos quais eram homens em 2012, segundo o Los Angeles Times). E dos 51 governadores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas – os membros “sénior” que dirigem a sua estratégia , só dois são membros de minorias raciais. A sua presidente, a afroamericana Cheryl Boone Isaacs, é uma delas.

Nos 88 anos da história da Academia, das 1663 nomeações para actores, só 65 foram para negros, 26 para hispânicos e oito para outros membros de minorias étnicas; e das 433 nomeações para realização, só três foram para negros, quatro para mulheres e seis e sete, respectivamente, para asiáticos e hispânicos (notando-se que nestes últimos, três foram para Ang Lee e outras três para Alejandro G. Iñárritu). No total, estes grupos representam menos de 5% dos nomeados. A única mulher que venceu o Óscar de Melhor Realizador é, historicamente, Kathryn Bigelow, e só um realizador negro, o britânico Steve McQueen, viu 12 Anos Escravo ser coroado com o Óscar de Melhor Filme.

A Variety, na sequência das muitas críticas ao perfil branco dos Óscares de 2016 que se focaram sobretudo nos filmes de e com negros, acrescenta ainda dados sobre outras etnias, recuperando dados da Iniciativa Annenberg da Universidade da Califórnia do Sul que mostram que dos cem filmes mais rentáveis de 2014, 73,1% dos retratados eram brancos, 12,5% negros, 5,3% asiáticos, 4,9% hispânicos e 4,2% de outras etnias. Amplamente ignorados são, por exemplo, os nativos americanos ou as pessoas portadoras de deficiência. “É a minoria de que ninguém fala”, diz Deborah Calla, responsável por dois grupos sobre diversidade junto da Guilda dos Produtores sobre as pessoas com deficiência; “se a falta de reconhecimento ainda acontece a comunidades que há décadas têm trabalhado na indústria, o que é que isso diz à comunidade muçulmana”, questiona Suhad Obeidi, directora do Conselho de Assuntos Públicos Muçulmanos.

Hollywood é dominada por seis grandes estúdios, mas só três dos seus responsáveis falaram com a Variety; das quatro grandes agências (CAA, WME, UTA e ICM), nenhum responsável quis ser entrevistado; e os seus homólogos nas Guildas de Guionistas, Produtores, Actores e Realizadores também não quiseram falar sobre as suas decisões de produção, a diversidade na sua estrutura empresarial e oportunidades dadas aos seus criativos. Vários estudos ao longo dos anos, nomeadamente sobre a presença de mulheres ou de etnias não caucasianas no sector, têm mostrado que a diversidade das histórias contadas e das equipas que as produzem estão intimamente ligadas. Nenhum dos contactados pela influente revista, que pediu também às televisões dados sobre os seus organigramas – à excepção dos serviços de streaming Amazon e Netflix – forneceu esses dados.

Em comunicado, a Guilda dos Realizadores assumiu que “são necessárias mudanças estruturais”, com Alan Horn, da Disney, a frisar à Variety a necessidade de “ter uma força laboral diversificada, que reflicta a diversidade na sociedade”, com o presidente da Fox, Jim Gianopulos, a corroborá-lo e a acrescentar a importância de trabalhar com instituições educativas na área do cinema. “Temos de continuar a trabalhar com os realizadores e criativos que percebam que temos de contar histórias inclusivas”, diz Horn, e Brad Grey, a rematar que, apesar dos esforços da Paramount, “reconhecemos certamente que é preciso fazer muito mais”.

No dia 28 de Fevereiro, a cerimónia que se tornou símbolo dos problemas que por estes dias se debatem vai ter um apresentador negro e conhecido pela sua acutilância. A Variety cita fontes que indicam que Chris Rock vai mesmo ser o mestre de cerimónias e que o fará sem contenções. 

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