Guterres recomenda sistema nacional de acolhimento de refugiados a Portugal

Ex-Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, agora candidato a secretário-geral, faz duras críticas à actuação da União Europeia.

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António Guterres durante a conferência, no Porto Marco Duarte

Portugal não é procurado por candidatos a asilo, “está longe”, mas ganharia com uma política activa: o fluxo poderia ajudar o país a rejuvenescer e a revitalizar algumas zonas. Palavra de António Guterres, ex-Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, na corrida para secretário-geral. Acha que valeria a pena criar um sistema nacional de acolhimento.<_o3a_p>

A lotação do auditório do Museu de Serralves esgotou segunda-feira à noite para mais uma sessão do ciclo de conferências “Tendências Globais 2030: Os Futuros de Portugal”. Desta vez, o orador era António Guterres e o tema “a tragédia dos refugiados e a resposta internacional”. O que ouviu quem lá esteve foi uma espécie de aula de política internacional.<_o3a_p>

Guterres descreveu um mundo "caótico", em que “a comunidade internacional deu como limitada a sua capacidade de prevenir conflitos e ainda mais a de os resolver atempadamente”; “a correlação de forças deixou de ser clara”, “a impunidade e a imprevisibilidade tendem a proliferar”; “os conflitos vão-se interligando” e “estão cada vez mais ligados ao problema de segurança global ou ao desenvolvimento de formas de terrorismo”.<_o3a_p>

Sempre houve quem procurasse protecção internacional, mas nos últimos anos o movimento acelerou de “forma brusca”. Apesar de não gostar de números, Guterres citou a evolução de pessoas forçadas a abandonar as suas casas a cada dia: 2010, 11 mil pessoas; 2011, 14 mil; 2012, 23 mil; 2013, 32 mil; 2014, 42.500.<_o3a_p>

Pela primeira vez, desde a II Guerra Mundial, o número de deslocados ultrapassou a barreira dos 50 milhões. O fenómeno não é tão expressivo na União Europeia como parece: 86% dos 60 milhões de deslocados estão no Sul. Mas foi quando a alcançou, “de forma significativa”, que se tornou central no debate global.<_o3a_p>

Por que se viraram os candidatos a asilo para a União Europeia? Guterres menciona vários factores. Primeiro, quebrou-se a esperança na resolução do conflito sírio, no regresso a casa. Depois, vingou a ideia de que os sírios estavam a ser abandonados. A situação nos primeiros países de asilo já era dramática –  86% e 93% dos sírios refugiados  no Líbano e na Jordânia viviam abaixo do limiar de pobreza. E piorou – o Programa Alimentar Mundial anunciou um corte de 30% no apoio refugiados no Líbano, na Jordânia e na Turquia. Foi isso que, na opinião de Guterres, impulsionou a primeira aceleração do movimento entre a Turquia e a Grécia. A comunicação social pôs os holofotes nos homens, nas mulheres e nas crianças em fuga. Traficantes e contrabandistas empenharam-se “na propaganda”: apesar de todos os riscos, era possível chegar lá, à Alemanha, à Suécia, a países capazes de oferecer um futuro. A par de sírios, apareceram, primeiro, os iraquianos e os afegãos, depois, gente de todo o lado.

No ver de Guterres, a União Europeia cometeu vários “erros”. Além de pouco ajudar os países de primeiro refúgio, não reviu as políticas de cooperação para o desenvolvimento. Parece-lhe que os grandes receptores de refugiados deveriam ter prioridade e não só não a têm, como alguns nem recebem qualquer apoio por serem países de rendimento médio. “O que a Europa também não fez foi organizar mecanismos legais para as pessoas com necessidade de protecção internacional acederem ao território sem terem de se pôr nas mãos de contrabandistas e traficantes”, enunciou. Tão-pouco tratou de garantir capacidade de recepção e de redistribuição pelo espaço comunitário.<_o3a_p>

A Grécia “desconfiou que se instalasse um sistema de recepção eficaz seria deixada com os refugiados todos e por isso preferiu apostar na continuação do movimento”. E os outros confiaram que “a Alemanha ia receber toda a gente” e, por isso, “boicotaram o sistema de redistribuição” proposto pela Comissão Europeia. O resultado, no seu entender, foi um “caos”, que inflige sofrimento e faz crescer partidos xenófobos.<_o3a_p>

“Em alguns países europeus há a ideia de que o terrorismo é fruto dos movimentos de refugiados”, comentou. “Claro que pode haver tentativas de infiltração, mas o problema central da Europa, do ponto de vista do terrorismo, não é esse, é um problema interno", avisou. “A Europa, quer se queira, quer se não queira, é multiétnica, multicultural e multirreligiosa.” E não investiu tanto quanto devia na inclusão dos grupos vulneráveis, na coesão social.<_o3a_p>

O candidato a secretário-geral das Nações Unidas não está optimista. Sobram notícias sobre novas rescrições. “Acho que há um risco sério de colapso quer do sistema de asilo europeu, quer do espaço Schengen”, reiterou. Está tudo pendurado na Alemanha. “Se a Alemanha tomar a decisão de fechar a porta, o sistema europeu colapsa”. Para evitar isso, há que celebrar acordos “sérios” com a Turquia, a Jordânia e o Líbano e criar o tal “sistema de recepção eficaz na Grécia com uma redistribuição que todos possam aceitar”.<_o3a_p>

Como fica Portugal neste contexto? “A posição do nosso país é periférica, não há o risco de um movimento avassalador, mas penso que seria importante para Portugal ter uma voz mais positiva”, disse. A 16 de Março, irá à Assembleia da República e defenderá esta ideia: “Tenho encontrado em toda a parte boa vontade. Acho que, apesar de tudo, vale a pena juntar as diversas peças do puzzle de forma mais eficaz e criar um sistema nacional de acolhimento que tem duas vantagens. Primeiro, os refugiados serem muito mais bem tratados. Segundo, os riscos de uma má relação com as comunidades locais serem muito baixos.”<_o3a_p>

Portugal tem uma das mais baixas taxas de fertilidade da Europa. “Tem todo o interesse em acolher pessoas que possam a ajudar a resolver o problema demográfico”, apontou. “Muitos poderão dizer mas há muitos desempregados”, admitiu. “O que os de fora vêm fazer não é aquilo que os portugueses estão dispostos a fazer, pelo menos em Portugal”. Há refugiados de origem rural “que poderiam desempenhar um papel importante na reactivação de certas zonas do país” e refugiados de origem urbana que poderiam ser úteis noutras actividades, como por exemplo, os serviços de apoio aos idosos.<_o3a_p>

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