Chegou, viu e venceu: o BE “existe” e influencia “a forma como se governa” o país

Para André Freire, há sinais no Bloco de “pragmatismo” e de “disponibilidade para compromissos, sem abdicar” da “identidade e sentido crítico” do partido.

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Marisa Matias, Catarina Martins, Mariana Mortágua encarnam a nova vida do BE Daniel Rocha

Apesar das palmas, quando entrou na sala do Coliseu do Porto, Marisa Matias não fez o típico discurso de um vencedor em noite eleitoral. No domingo, a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda assumiu que um dos objectivos não foi cumprido - não houve segunda volta, embora não tivesse sido pelo BE que tal não aconteceu. Ainda assim, o partido voltou a ter nestas presidenciais, à semelhança das legislativas, um resultado histórico.

O politólogo José Adelino Maltez não tem dúvidas sobre os resultados: “o BE existe”. Ou, como disse a porta-voz do partido, Catarina Martins, no domingo: “confirmam o que muitos não queriam perceber”, que o BE “mudou o mapa político” do país. Ou, ainda por outras palavras: “o BE começa a influenciar a forma como se governa em Portugal”, afirmou ao PÚBLICO José Gusmão, da Comissão Política do BE.

A esquerda pode ter perdido, porque o candidato de direita venceu à primeira, mas a candidatura do BE destacou-se, sobretudo quando comparada com outras. “Teve um grande resultado”, diz o politólogo André Freire. Marisa Matias ficou em terceiro, conseguiu levar o partido ao melhor resultado de sempre em presidenciais. Teve 10,13%. Em 2006, Francisco Louçã teve 5,3%. Somou mais votos do que Louçã e Fernando Rosas (3%, em 2001). Teve, agora, mais votos do que Maria de Belém (4,24%) e o candidato comunista (3,95%) juntos.

André Freire reconhece que o objectivo de haver uma segunda volta não foi atingido e que isso deve levar “toda a esquerda” a reflectir. Factores que podem ter contribuído para este desfecho: várias candidaturas à esquerda, um único candidato forte à direita. Um candidato, continua o docente, muito conhecido, que fez durante anos “comentários ao domingo sem contraponto”, e que surgiu na campanha “como se não tivesse passado”, como se fosse “uma folha em branco”. Para André Freire, porém, a haver “alguma hierarquia de responsabilidades”, ela é do PS que passou a imagem de um partido “dividido”.

O politólogo faz uma leitura positiva do desempenho de Marisa Matias durante a campanha, por oposição à do candidato comunista. Edgar Silva, continua, criticava o Governo “às terças”, não criticava “às quintas”. Essa “duplicidade”, ou “ambiguidade”, cria “um problema” e “baralha os eleitores”. Até porque, diz, tanto o eleitorado bloquista como comunista é favorável ao acordo de Governo.

E o PCP?
O BE tem tido uma postura diferente, assinala. O docente recorda o momento televisivo, ainda na pré-campanha para as legislativas, em que a porta-voz do BE desafiou o então secretário-geral do PS António Costa para um entendimento, com três condições. Foi, nota André Freire, “um sinal de pragmatismo” que mostrou “disponibilidade para compromissos sem abdicar” da “identidade e sentido crítico” do partido. O eleitorado aprecia esta “abertura” para um “entendimento”, defende o politólogo, para quem os rostos femininos do BE que se têm destacado – Marisa Matias, Catarina Martins e Mariana Mortágua – não se têm evidenciado por serem mulheres, mas por terem tido uma “óptima performance”.

E o PCP? “Tem aqui um desafio. Tem pela primeira vez uma crise que não teve depois da queda do muro”, diz Maltez, ressalvando, no entanto, que não é o único em crise. Encerra é uma contradição: consegue mobilizações, por um lado, mas depois “não tem votos”. É “um problema que o partido vai ter de resolver”: “Vão ter de reflectir”, nota Maltez, para quem o PCP teve resultados “desastrosos” nestas presidenciais.

Ainda que o partido tenha feito uma “renovação parlamentar”, resta saber se tal se traduz na “renovação” de um partido que, mesmo em termos de imagem, “está no tempo do neo-realismo”, enquanto o BE, “com alguma imaginação, criatividade e discurso adequado”, conquista espaço.

O BE sabe que está a crescer – na noite eleitoral todos os discursos o frisaram. Marisa Matias, Catarina Martins, Mariana Mortágua são alguns nomes que se têm destacado, entre outros que fazem parte de uma “nova geração de dirigentes” que, diz José Gusmão, chegou até aqui através de “um trabalho consistente” e não por serem um ou outro “talento isolado”.

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