Sánchez disposto a formar governo se Rajoy renunciar de vez

“Mantenho a minha candidatura”, afirma o líder da direita, prometendo bloquear no Congresso “os disparates” de um eventual executivo de coligação entre o PSOE e o Podemos.

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Pedro Sánchez no final do seu encontro com o rei Javier Soriano

Encurralado pela direita e pela esquerda, com Pablo Iglesias a oferecer-lhe um acordo de governo que nunca foi negociado e Mariano Rajoy a recusar, de momento, o convite do rei Felipe VI para ir a votos no Congresso, o PSOE tenta recuperar o pé.

Num comunicado, o segundo partido mais votado nas legislativas de 20 de Dezembro em Espanha insiste que “Rajoy é obrigado a apresentar-se como candidato à investidura ou a renunciar de vez ao direito a fazê-lo”. O texto não é simpático para o líder da direita: “A decisão de declinar a solicitação do rei para apresentar a sua investidura e, ao mesmo tempo, anunciar que não renuncia, é inaceitável e só pode ser compreendida à luz da complicada situação judicial que enfrenta o seu partido, investigado estes dias por corrupção”.

Ao mesmo tempo, o partido socialista garante que "só iniciará negociações formais para formar um executivo quando o primeiro-ministro em funções abdicar de o fazer ou fracassar na sua tentativa, sem deixar de manter contactos para avaliar a situação e aproximar posições sobre os graves desafios que Espanha enfrenta e os problemas que inquietam muitos cidadãos”.

“Pedro, temos de conversar sobre a minha proposta de governo”, escreveu, sem perder tempo, Iglesias, o líder do Podemos, a Sánchez ainda na noite de sexta-feira. Sánchez respondeu-lhe com a promessa de um telefonema, sábado ou domingo, repetindo que “agora é preciso respeitar o tempo de Rajoy”. Uma resposta simpática, tendo em conta as acusações de “chantagem” contra Pablo Iglesias por causa da sua proposta de governo.

No comunicado do PSOE escreve-se que o partido não iniciará negociações, “muito menos quando estas têm forma de chantagem e sobrepõem os interesses dos partidos aos interesses dos cidadãos”, numa mensagem apontada directamente ao Podemos.

Iglesias puxou o tapete a Sánchez, tentando assumir-se como líder da esquerda e, em simultâneo, obrigando o dirigente socialista a aceitar ou recusar a sua proposta de um “governo de mudança” que reverta as políticas de austeridade do executivo de direita, onde se atribuiu o cargo de vice e incluiu os dois deputados da Esquerda Unida e “outras forças parlamentares necessárias”, como explicou ao rei.

Apesar da diferença de deputados – o PSOE elegeu 90, o Podemos e as várias coligações regionais que apoia 69 – a diferença de votos entre os dois partidos foi de pouco mais de 300 mil (o sistema eleitoral espanhol é muito pouco proporcional) e era óbvio desde a noite das eleições que ambos disputariam a hegemonia à esquerda.

Rajoy fez mais ou menos o mesmo que Iglesias. Quer ver Sánchez tentar negociar com o Podemos, partido que descreve como “radical” e falhar, antes de tentar a sua sorte, evitando assim a humilhação de ir a votos e não conseguir a investidura. Na primeira votação, o candidato precisa de maioria absoluta, 176 deputados; a partir daí basta uma maioria simples, com mais votos a favor do que contra, mas nem isso o político conservador tem assegurado.

De caminho, Rajoy aproveita para minar a liderança de Sánchez dentro do PSOE, onde muitos barões vêem com grande preocupação um acordo com o Podemos. O principal problema é a promessa eleitoral de um referendo na Catalunha feita pelo partido de Iglesias, que se opõe à independência dos catalães mas acredita que estes têm direito a votar sobre o seu futuro político.

Cumprir o seu dever

Colaboradores próximos do líder socialista dizem que se Rajoy voltar a recusar submeter-se à votação no Congresso Pedro Sánchez aceitará “a responsabilidade” de tentar formar uma maioria parlamentar. “Sánchez não é um irresponsável e cumprirá com o seu dever se o chefe de Estado o propuser” como candidato, diz um dirigente, citado pelo El País.

Antes de falar com Iglesias, o secretário-geral dos socialistas telefonou a Albert Rivera, líder do partido de centro-direita Cidadãos. “Não houve nenhuma oferta”, esclareceu o chefe de gabinete de Rivera. Sánchez “disse que temos de nos sentar e conversar, e que será bom fazê-lo nos próximos dias”, disse José Manuel Villegas, sem esclarecer se para o partido esta conversa significa o início da mediação entre o PSOE e o PP que Rivera se ofereceu ao rei para fazer.

“E agora? Pois eu mantenho a minha candidatura”, afirmou Rajoy num encontro com membros e apoiantes do partido em Córdoba. Continuando o périplo pelo país que iniciou no fim-de-semana passado, Rajoy usou a intervenção para desenrolar uma série de acusações a Sánchez e repetir que deseja liderar um executivo apoiado pelo PSOE e pelo Cidadãos (40 deputados), seja numa coligação ou através de um acordo parlamentar.

Perder um debate

“Para ser presidente não basta humilhar-se e hipotecar-se”, afirmou, numa referência à oferta de Iglesias a Sánchez. “Necessitamos de um presidente com dignidade”, continuou. Para justificar a sua renúncia, Rajoy disse que lhe pareceu “que seria uma fraude e uma falta de respeito aos mais de sete milhões de eleitores comparecer na câmara para perder o debate de investidura”.

O debate também seria isso mesmo, uma discussão aberta como aquelas que Rajoy evitou durante toda a legislatura anterior, defendendo-se com a maioria absolta obtida em 2011.

“Face à falta de apoios, o líder do PP prefere não tomar decisões irreversíveis. Tão acostumado aos ecrãs de televisão e à maioria absoluta, deve dar-lhe preguiça tentar convencer o resto das formações políticas”, escreve numa coluna de opinião no jornal Público espanhol o jornalista Jorge Bezares. “Porque em resumo é nisso que consiste uma sessão de investidura no Parlamento: o candidato apresenta-se e tanta convencer os deputados.”

Em Córdoba, Rajoy disse que o PP percebeu a mensagem dos espanhóis quando votaram. “Os espanhóis disseram nas urnas que ninguém deve governar sozinho. Muito menos se tem 90 lugares”, afirmou. Sánchez, Iglesias, a Esquerda Unida e os independentistas (catalões ou bascos) “podem somar números e deputados mas não poderão governar porque nós temos a maioria no Senado”, avisou. Essa maioria, mais os 123 deputados do PP no Congresso, serão “a garantia de que aqui não se vão fazer disparates”.

Mais de um mês depois da ida às urnas em que os espanhóis elegeram o Congresso mais fragmentado de sempre, os partidos parecem muitas vezes comportar-se como se ainda estivessem em campanha – e há sempre a possibilidade de estarem.

Na quarta-feira, o rei de Espanha recomeça a ouvir os representes dos grupos no Congresso, começando de novo pelos mais pequenos e terminando com Rajoy. Entretanto, o Congresso pode funcionar mas o governo está limitado “à gestão ordinária dos assuntos públicos, abstendo-se de adoptar quaisquer outras medidas, salvo em casos de urgência devidamente comprovada ou por razões de interesse geral justificadas”.

Sem negociações sérias, este processo pode arrastar-se pelo menos até Maio. Depois de um primeiro-ministro ser chumbado na primeira votação sucedem-se votações ao longo de dois meses. Ainda ninguém sabe quando é que esse período começa a contar, mas se os dois meses terminarem sem governo o Congresso dissolve-se e são marcadas novas eleições para daí a 54 dias.

 

 

 

 

 

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