Uma excelente entrada no Ano Rússia na Casa da Música!

Os concertos que no passado fim-de-semana inauguraram oficialmente o Ano Rússia na Casa da Música fazem prever um ano de elevada qualidade musical. O público encheu a Sala Suggia e aplaudiu generosamente os grupos residentes.

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O público encheu a Sala Suggia para assistir a três concertos protagonizados por agrupamentos residentes da Casa da Música: Orquestra Sinfónica, Remix Ensemble e Coro Casa da Música. Apesar de o programa ser exclusivamente dedicado à música do século XX, não faltaram obras de referência do repertório ocidental, destacando-se a A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, o Concerto para Violino n.º 4, de Alfred Schnittke, e as Vésperas, de Sergei Rachmaninoff. O nível interpretativo dos três concertos faz prever um ano de elevada qualidade musical. O público encheu a Sala Suggia e aplaudiu generosamente!

Um dos elementos atractivos do concerto de dia 15 foi o regresso de Viviane Hagner à Sala Suggia, desta vez interpretando o Concerto para Violino n.º 4, de Schnittke. O poliestilismo da música de Schnittke constitui um desafio para os intérpretes, nomeadamente no equilíbrio de planos sonoros heterogéneos e na condução de uma narrativa que integra elementos temáticos aparentemente inconciliáveis. A solista e a orquestra realizaram uma interpretação segura da obra de Schnittke, destacando-se a qualidade da interacção entre ambos e a capacidade de Hagner colocar o virtuosismo ao serviço da expressão musical. 

A segunda parte do concerto mostrou uma orquestra comprometida com a responsabilidade de interpretar uma das obras mais marcantes da história da música sinfónica ocidental: a Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky. Se no início transpareceu algum excesso de controlo (para que tudo saísse bem), essa sensação desvaneceu-se gradualmente ao longo dos primeiros episódios de A Adoração da Terra, tendo a orquestra realizado uma boa interpretação da obra. 

A direcção de Brönimann demonstrou segurança e envolvimento com os músicos, dirigindo a orquestra com clareza e precisão. Poderia no entanto ter havido uma melhor comunicação com a orquestra em Jogo das Tribos Rivais e O Cortejo do Sábio, no sentido de corrigir alguns desequilíbrios instrumentais que momentaneamente transpareceram.


Profundidade harmónica
No sábado foi apresentado repertório bastante distinto em cada uma das partes do concerto. A primeira, leve e jocosa, incluiu as duas Suites para pequena orquestra de Igor Stravinsky. Estas obras neoclássicas, de texturas transparentes e orquestração colorida e imaginativa, integram diversas danças de inspiração popular.

O Remix Ensemble fez sobressair as características estilísticas de cada peça numa interpretação muito bem conseguida. Quanto a Moz-Art à la Haydn, para orquestra de cordas e dois violinos solistas, a interpretação foi ao encontro da pretensa ironia e sarcasmo da partitura de Alfred Schnittke.

A performance integrou movimentação cénica e aludiu, entre outras coisas, à Sinfonia do Adeus, de Joseph Haydn, terminando com um solitário Peter Rundell a dirigir um palco vazio. As interpretações dos solistas José Pereira e Albert Skuratov foram excelentes, demonstrando uma boa interacção e cumplicidade musical. A orquestra de cordas, reforçada por vários jovens músicos portugueses, revelou equilíbrio, excelente projecção sonora e uma boa relação com os solistas. 

A interpretação da Sinfonia n.º 4 de Schnittke, para piano, coro e ensemble, foi também de elevada qualidade. Num discurso musical denso, marcado por uma forte sensação de opressão e sofrimento, o ensemble revelou um forte sentido expressivo e bom equilíbrio sonoro, tanto nas secções de tutti como nas passagens camerísticas. Se a participação das vozes nesta obra é de importância secundária (remetendo-se à secção final do último andamento), já a parte do piano solista é estrutural. 

A interpretação de Jonathan Ayerst foi marcada pela solidez técnica e pela intensidade expressiva, demonstrando as excelentes qualidades deste músico. Como é habitual, o maestro Peter Rundell esteve totalmente envolvido com os músicos e com a partitura, sendo um elemento fulcral para a qualidade interpretativa que se escutou neste concerto.
No último concerto do fim-de-semana, o Coro da Casa da Música interpretou as Vésperas Op. 37 de Sergei Rachmaninnof para coro a cappella. Obra de grande exigência vocal pela divisão de vozes que algumas secções solicitam e ainda pelos contrastes de intensidade, de registo e de expressão. Estas características contribuem para a beleza e profundidade desta partitura, que foi considerada pelo próprio Rachmaninoff uma das suas composições preferidas. 

Apesar de esta obra ser habitualmente interpretada por coros de grandes dimensões, o Coro da Casa da Música apresentou-se em formato de câmara (com 22 elementos), realizando uma interpretação segura que demonstrou não só a qualidade vocal e a capacidade expressiva dos seus elementos mas também o equilíbrio dos quatro naipes e uma boa articulação do texto russo.

É ainda digno de realce o desempenho dos solistas, em particular a contralto Iris Oja e o tenor André Lacerda, tanto ao nível expressivo como na qualidade do timbre vocal e na prosódia do texto literário. O baixo Vladimir Miller foi fundamental para criar a profundidade harmónica exigida pela partitura, embora a afinação nem sempre tenha sido rigorosa no registo grave. A direcção de Paul Hillier, um dos maestros de referência na interpretação desta obra, demonstrou envolvimento e uma boa comunicação com o coro, factores que contribuíram para a qualidade do concerto.

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