Uma perfeita desgraça

Os estranhos feitos musicais dos Fat White Family são inquietantes — ao ponto do deslumbramento.

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Música caótica e arrancada a álcool, uma disponiblidade total para a provocação: os Fat White Family

Seis tipos com ar de quem não consegue ter-se em pé, de quem passa mais tempo com as mãos agarradas a uma pint do que à guitarra ou à bateria, de quem pode acabar qualquer noite com dois ou três dentes a menos. Desde que começaram a reclamar atenção com uma música caótica e arrancada a entranhas a tresandar a álcool, os Fat White Family concentraram igualmente os holofotes na sua disponibilidade total para a provocação e para a levar até às últimas consequências — equacionadas como dar e receber um par de murros, cuspir sangue durante umas horas e viver bem com isso.

A 8 de Abril de 2013, data da morte da conservadora e odiável Margaret Thatcher, os Fat Whites penduraram no pub que lhes serve de quartel-general uma faixa pintada à mão que dizia simplesmente “The bitch is dead”. Nessa altura, os seus explosivos concertos ferviam já com canções como Bomb Disneyland, Is it raining in your mouth? (qualquer delas não esconde no título a temática a que Lias Saoudi se atira de cabeça) ou Who shot Lee Oswald? (em que Lias dispara culpas na morte do assassino de JFK na direcção do FBI, da CIA, da BBC ou dos Velvet Underground). Feita de evidentes excessos, quase num quadro de rock trôpego e burlesco, a música do grupo parecia já causar fascínio e repulsa em doses idênticas.

A música dos Fat Whites em Songs for Our Mothers está agora menos suja do que no álbum de estreia Champagne Holocaust (mas eles provavelmente não estarão), ainda que a sombra insistente de referências como The Cramps, The Fall e The Birthday Party não tenha metido os papéis para a reforma. Assim que o segundo álbum do grupo arranca, somos inesperadamente lançados para aquele torpor rítmico com assinatura alemã que os Primal Scream souberam tão bem explorar, que empurra tanto The whitest man on the beach quanto Tinfoil deathstar no caminho de serem canções exemplares. Mas esta gente inquieta-nos repetidas vezes pelos estranhos feitos musicais que alcança: We must learn to começa por assentar em guitarras embaraçosas de tão precárias para crescer numa saturação que a salva do desastre e a transforma em milagre; dir-se-ia que Lebensraum é uma canção funerária de Nova Orleães desacelerada até um slow motion inebriante; Duce surge como um western dopado, em ritmo de liturgia sombria; When shipman decides é uma bizarria doentiamente tropical.

O espanto e o deslumbramento impõem-se por esta miragem de desastre iminente que, lentamente, se desfaz, até ficarmos diante de construções a gritar imperfeição a cada segundo mas de uma atracção sublime. Lebensraum (o chamado “espaço vital” alemão que defendia a expansão onde quer que os germânicos identificassem povos inferiores) e Goodbye Goebbels, bela e decrépita canção de adeus ao ministro da propaganda nazi Joseph Goebbels, são mais dois exemplos de uma banda que parece não tão empenhada em defender publicamente o Reich (eles que já se fotografaram na campa de Karl Marx) quanto em levar um murro nos dentes. Nem que para isso tenha de se servir da música. 

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