Improvisar sem fronteiras

Dois discos em que músicos portugueses dialogam com convidados internacionais.

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Luís Lopes tem conseguido ultrapassar fronteiras com os projectos Humanization Quartet e Lisbon-Berlin Trio, entre outras colaborações NUNO MARTINS

Nos últimos anos, a cena improvisada portuguesa tem conseguido alcançar uma relevante dimensão internacional, sobretudo como resultado do trabalho da editora Clean Feed. Esta projecção tem visibilidade em parcerias com músicos internacionais, actuações ao vivo e até na presença de nomes portugueses em algumas listas de melhores do ano de publicações de referência. Estes dois discos, ambos gravados ao vivo na Culturgest, confirmam a abertura da improvisação nacional ao mundo.

O guitarrista Luís Lopes tem conseguido ultrapassar fronteiras ao leme dos seus projectos Humanization Quartet e Lisbon-Berlin Trio, além de uma série de outras colaborações pontuais. O encontro inédito do guitarrista com o saxofonista francês Jean-Luc Guionnet tinha tanto de aliciante como de perigoso. A dupla começa em modo de contenção e pesquisa, com a guitarra eléctrica e o saxofone alto a tactearem terreno, exprimindo alguns sons, ainda tímidos, à procura de pontos de convergência. A meio do primeiro tema, Lopes e Guionnet parecem já ter entrado nas suas zonas de conforto — a guitarra assume a sua matriz rock, o saxofone dispara rugidos. Ao segundo tema, os músicos já soltaram as amarras e descarregam o seu arsenal sónico, entrelaçando pelo meio um interessante diálogo: provocam, respondem, provocam de novo. Lopes e Guionnet trabalham um diálogo interessante, embora por vezes, durante alguns momentos, a música soe perdida, ficando no ar a ideia de que o encontro poderia ter sido mais frutuoso.

Altos representantes da mais jovem geração da cena improvisada nacional, o baterista Gabriel Ferrandini (RED Trio, Motion Trio, etc.) e o saxofonista Pedro Sousa (Pão, Falaise, Eitr, Acre, etc.) têm trilhado percursos muito próximos, que por vezes se cruzam. Ambos parte da mais recente formação da banda rock Caveira, mantêm há alguns anos um projecto em duo, tendo, para além de outras parcerias, gravado em trio com Thurston Moore, dos Sonic Youth (Live at ZDB, edição Sshpuma Records). À partida, a dupla encontraria no sueco Johan Berthling um parceiro pouco óbvio. Contudo, as afinidades cedo se revelaram: baixista de bandas como Fire!, Angles ou Tape, Berthling partilha com os portugueses uma proximidade com o rock, além de cultivar o gosto pela “fire music”. Neste encontro na Culturgest, o trio luso-sueco começa por procurar pontos de encontro a partir de uma improvisação sem rede. A actuação arranca em toada lenta: a percussão solta, o saxofone esparso, o contrabaixo reactivo. Conhecidos pela sua energia fervilhante, os lusos procuraram evitar cair nos óbvios crescendos e explosões enérgicas, típicos do free jazz. Passados cerca de cinco minutos começam a surgir as primeiras faíscas, mas sem rebentar. Surpreendendo quem daqui esperasse turbulência e conflito, esta música é estranhamente contida, reflexiva, atenta. Há pontuais momentos de explosão, como acontece no final do segundo tema, mas não é essa a regra. A principal marca deste trio é a contenção sonora, sendo a segunda parte do último tema, Beauty, quase uma experiência de escuta profunda. Um encontro que acaba por ter um resultado positivo, embora o disco soe globalmente algo abstracto.

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