Foi o amor pela “Rainha do Sul” que tramou “El Chapo” Guzmán

Mensagens trocadas entre o perigoso narcotraficante, chefe do cartel de Sinaloa, e a actriz mexicana Kate del Castillo revelam um homem apaixonado.

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Vários DVD de A Rainha do Sul foram encontrados no esconderijo de Guzmán DR

Quem vê telenovelas mexicanas sabe que o amor tanto pode ser a salvação como uma perdição. E no caso do mais famoso barão do narcotráfico Joaquin “El Chapo” Guzmán, um dos homens mais procurados da América do Norte, a paixão pela actriz Kate del Castillo acabou por se revelar fatídica: foi a sua obsessão por ela que o levou a organizar um encontro clandestino em plena selva para que pudessem conhecer-se melhor, que conduziu a polícia até ao seu esconderijo.

A vistosa actriz de 43 anos, uma das mais famosas estrelas de cinema e televisão do México, chamou a atenção do chefe do cartel de Sinaloa por causa de uma polémica mensagem que publicou no Twitter, no início de 2012, quando a guerra do Exército mexicano ao narcotráfico estava ao rubro. Era uma declaração política, mas que “El Chapo” terá interpretado como uma manifestação de afecto: dizia Kate que confiava mais nele do que no Governo e como “seria maravilhoso se começasse a traficar com amor”.

Perante o impacto político das suas palavras, Castillo publicou uma série de justificações, incluindo que não estava a falar a sério, ou que a sua ironia e sarcasmo estavam a ser mal entendidas. Mas, tomadas no seu todo, as suas declarações no Twitter constituem uma espécie de declaração – que se os perfis psicológicos de Joaquin Guzmán forem minimamente fidedignos, terá sido música para os ouvidos deste homem “sedutor, esplêndido e protector”, que, apesar de ignorante e pouco interessado, é “astuto e inteligente”, além de “compulsivo e tenaz”, nunca desistindo até conseguir o que quer.

As biografias de Kate também salientam a sua inteligência, a par da sua beleza e capacidade de trabalho. Filha de Éric del Castillo, uma das lendas da chamada época de ouro do cinema mexicano e estrela de telenovelas, Kate entrou para o negócio de família logo aos oito anos de idade. Nunca mais parou desde então, representando no teatro, cinema e também séries televisivas de enorme popularidade e audiência, tanto no México como nos Estados Unidos. Por várias vezes, interpretou o papel de mulheres ambiciosas, poderosas e temidas: na novela A Rainha do Sul, baseada no livro de Arturo Pérez-Reverte; na série Erva e na produção internacional Donos do Paraíso – todas estas protagonistas eram narcotraficantes.

“El Chapo” estava detido na prisão de alta segurança de Altiplano quando iniciou contacto com a actriz. À sua mensagem inicial no Twitter respondeu com flores; depois iniciaram uma correspondência, ora manuscrita, ora por mensagens em código utilizando o telefone móvel do seu advogado, Andrés Granado, que se tornou mediador do diálogo entre os dois. Em Agosto de 2014 surgiu a hipótese de trabalharem juntos na produção de um biopic, alegadamente porque Guzmán lhe confessou o seu desejo de ver a sua história passada ao cinema.

A comunicação intensificou-se após a espectacular fuga da cadeia de “El Chapo”, em Julho de 2015, sempre usando o mesmo método, até que decidiu prescindir do intermediário: segundo revelam transcrições das mensagens, divulgadas pelo jornal Milénio, o narcotraficante fez chegar a Kate del Castillo o último modelo de telefone lançado pela Blackberry, para poderem falar directamente.

A conversa entre os dois nas mensagens entretanto publicadas é idêntica à de muitos casais apaixonados, sem referência a filmes ou negócios. No último capítulo do seu namoro electrónico, “El Chapo” já não esconde os seus sentimentos: convida-a para um encontro nas montanhas onde está escondido, e empenha-se para que tudo esteja a gosto da actriz – a proposta é para que passem três dias juntos. “Se trouxeres vinho, também bebo”, promete, informando-a de que habitualmente não bebe, mas que, quando o faz, prefere tequila e whisky.

A resposta de Kate é calorosa. Pode ser que nessa altura, como escreve o jornal El País, já tivesse cruzado definitivamente a linha que separa realidade e ficção, transmutando-se na sua personagem da Rainha do Sul, Teresa Mendoza, uma jovem inocente de Sinaloa que depois do assassinato do noivo se torna na líder implacável de um cartel da droga. “Fico muito comovida quando me dizes que vais cuidar de mim. Nunca ninguém o fez, por isso, obrigada”, diz. “Não fazes ideia de como estou entusiasmada. E ansiosa por olhar-te nos olhos, pessoalmente”, acrescenta.

Sabe-se agora que as telecomunicações do advogado de “El Chapo” e de Kate del Castillo estavam a ser interceptadas pelas autoridades, e que terá sido a vigilância contínua que foi montada que levou à captura do evadido, nas montanhas de Durango. Depois de aceitar o convite, Kate del Castillo sugeriu levar com ela, para uma entrevista com “El Chapo”, o actor de Hollywood Sean Penn, que o narcotraficante não sabia quem era. Apesar do risco em que incorria, acedeu. Pode ser que tenha concordado apenas para passar tempo com Kate.

A ocasião terá inflamado ainda mais a paixão de “El Chapo”: os jornais mexicanos escrevem que a partir daí o narcotraficante ficou obcecado por vê-la outra vez, passada uma semana. O interesse é recíproco: Kate confessa que não dormiu muito desde o primeiro encontro e que não pensa noutra coisa além da sua história. “Eu estou mais interessado em ti do que na história”, revela Guzmán. “Ha, ha, ha, fico feliz por saber”, responde del Castillo.

Os planos para um segundo encontro a dois acabam por ser abortados por motivos de segurança. “El Chapo” está impaciente. “Vem depressa, porque tenho muita vontade de ver-te. És o melhor deste mundo. E digo-te já que a minha mãe quer conhecer-te”, adianta. Desta vez, é a actriz que se assume como protectora. “O meu acompanhante diz que me têm sob escuta e que esperam que os possa levar até ti. Não podemos correr riscos agora, é demasiado perigoso”, alertou. Guzmán insiste: está tudo preparado para se verem numa vivenda de Los Mochis. Só que quem bate à porta é a polícia.

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