Projecto da 2.ª Circular "pode pôr em grave risco aviação e população"

Alerta consta de relatório do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves.

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Um dos objectivos do projecto é reduzir a circulação nesta via Rui Gaudêncio

O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA) alerta que o projecto da Câmara de Lisboa para a Segunda Circular "pode pôr em grave risco" a aviação que opere no Aeroporto de Lisboa e a população da cidade.

As conclusões constam de um relatório técnico, a que a agência Lusa teve hoje acesso, no qual o GPIAA dá "opinião técnica desfavorável" ao projecto de requalificação daquela via, por considerar que a solução apresentada "carece de suporte legal e pode pôr em grave risco a aviação que opere no Aeroporto de Lisboa e todos os habitantes da cidade".

"O projecto em causa está incompleto por não contemplar qualquer alusão ao impacto ambiental que a arborização prevista [plantação de 7500 árvores na zona envolvente da Segunda Circular e mais de 500 exemplares ao longo do separador central] poderá provocar no controlo da avifauna, nas imediações do Aeroporto da Portela, afectando directamente as operações aéreas relativamente à segurança aeronáutica", sustenta o documento.

O GPIAA "coloca reticências" ao projecto por ser "inadequado e insuficiente" na identificação de todos os impactos negativos na biodiversidade daquela zona e na garantia da segurança dos aviões que operam no aeroporto, devido à possibilidade de as aves colidirem com as aeronaves ('bird strike').

O relatório técnico foi enviado esta semana pelo GPIAA para o gabinete do secretário de Estado das Infraestruturas, Guilherme d'Oliveira Martins, para o presidente do conselho de administração da Autoridade Nacional de Aviação Civil, regulador do sector aeronáutico, e para o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o socialista Fernando Medina.

Na informação técnica, assinado pelo director do GPIAA, Álvaro Neves, são ainda apontadas críticas à falta de visão estratégica da Câmara de Lisboa e do seu presidente, que, segundo o relatório, demonstraram "um desconhecimento incompreensível numa área de especial interesse para a cidade: um aeroporto seguro e reconhecido como tal".

O projecto foi colocado em consulta pública (que termina a 29 de janeiro) sem ouvir as autoridades aeronáuticas sobre os impactos do previsível aumento de aves perto do aeroporto. "É incompreensível que a Câmara não tenha antecipadamente ouvido as entidades do sistema aeronáutico em que um aspecto tão essencial e primordial como o conhecimento dos movimentos das aves nas imediações do aeroporto, pela concentração de uma substancial mancha verde natural. É relegado e menosprezado para um patamar inferior e apresentado como medida de mitigação, quiçá a analisar na fase subsequente de projecto", critica o GPIAA.

Numa resposta escrita enviada à Lusa, a autarquia refere que o projecto proposto pela maioria socialista "não vai afectar o tráfego aéreo".
Contudo, o organismo público responsável pela prevenção e investigação dos acidentes aéreos em Portugal, tutelado pelo Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, insiste que é preocupante que a câmara tenha decidido dar seguimento a uma iniciativa desta envergadura sem a "devida consulta da indústria" aeronáutica.

Em causa, sublinha, está "uma solução técnica inadequada e potencialmente perigosa para a aviação civil". A proposta camarária visa diminuir o tráfego de atravessamento na Segunda Circular através da reformulação de alguns acessos e dos nós de acesso ao IC19 (itinerário complementar) e à A1 (auto-estrada), encaminhando o trânsito para a CRIL (Circular Regional Interior de Lisboa). Prevê-se também a redução da largura das vias, a montagem de barreiras acústicas, a reabilitação da drenagem e do piso, a renovação da iluminação pública e da sinalética e a diminuição da velocidade, de 80 para 60 quilómetros/hora.

Opinião do sector da aviação

O GPIAA recomenda, por isso, no mesmo relatório, a realização de um Estudo de Impacto Ambiental e a auscultação das entidades aeronáuticas. "Recomenda-se que seja efectuado um Estudo de Impacto Ambiental, com a participação da SPEA - Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves", atendendo "à possibilidade de fixação e/ou local de passagem de aves migratórias, nas zonas a arborizar, nos oito quilómetros de extensão do projecto, especialmente nas zonas que estejam dentro da área de segurança aeronáutica do aeroporto", sublinha o documento.

O GPIAA defende que no Estudo de Impacto Ambiental devem ser identificadas as Áreas de Segurança Aeronáutica (ASA) recomendadas pela Organização Internacional da Aviação Civil, inserindo-se os focos atractivos para a avifauna, sobretudo os que possam exercer maior influência no número de colisões do aeroporto.

Esta entidade pública indica ainda outra recomendação à autarquia: "Seria importante, antes da aprovação do projecto da Câmara, uma monitorização específica realizada por equipas interdisciplinares experientes, nomeadamente de ornitólogos, entomólogos e botânicos, às zonas onde serão semeadas/plantadas as espécies consideradas não atractivas [de aves] no projecto", salienta o relatório.

O GPIAA avisa que só será possível decidir "em consciência" sobre a execução do plano da autarquia "se, efectivamente, estiverem garantidas as condicionantes de segurança aeronáutica nos cones de aproximação das pistas 21 e 35 e nas superfícies de descolagem das pistas 3 e 17, e toda a sua área envolvente".

Este organismo sublinha que a vantagem competitiva de Lisboa ter um aeroporto nas imediações da cidade obriga a que "as entidades da indústria aeronáutica e todas as restantes entidades responsáveis do desenvolvimento da cidade se preocupem em avaliar os impactos que esse benefício sofrerá, quando se tem previsto alterações estruturais que poderão pôr em causa a sua sustentabilidade quanto à segurança operacional das aeronaves". O gabinete assegura estar "disponível" para prestar todo o apoio neste processo.

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