Dois novos fiscais nas secretas com missão acrescida de credibilização

Representantes do PSD e do PS não se comprometem com mudança de funcionamento da fiscalização do SIRP para evitar escândalos como o que levou espiões a tribunal.

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Filipe Neto Brandão substitui João Soares no Conselho de Fiscalização Enric Vives-Rubio

Aparentemente, pouco deverá mudar nos próximos tempos no Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP) de forma a evitar que se repitam escândalos como o que levou a tribunal vários espiões acusados de abuso de poder, acesso ilegítimo a dados pessoais, corrupção e violação do segredo de Estado.

O ex-deputado do PSD António Rodrigues e o socialista Filipe Neto Brandão foram ouvidos (e sobejamente elogiados) esta quarta-feira durante uma hora no Parlamento no âmbito da sua candidatura ao conselho de fiscalização. Questionados sobre a necessidade de reforço dos poderes daquele órgão, preferiram considerar que os serviços de informação estão a funcionar “satisfatoriamente” e dizer que o que aconteceu em anos recentes não passo de “episódios infelizes”, como resumiu o social-democrata.

Encaminharam antes os seus comentários para a necessidade de o Estado português ter um serviço de informações que seja “digno, reconhecido”, que “funcione com estabilidade” e que saiba trabalhar no apertado espaço do compromisso entre o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e a necessidade de prevenir e combater o terrorismo e a criminalidade – mas nada sobre medidas concretas.

Afirmando não querer “contaminar a função com a opinião enquanto deputado” – deixando entender que até poderá ter uma opinião diferente consoante a função em que se encontra -, Filipe Neto Brandão defendeu que será cumprido o acórdão do Tribunal Constitucional que, em Agosto, “chumbou” a possibilidade de as secretas acederem aos chamados metadados, como informação de tráfego telefónico, com localização de mensagens e chamadas e que PSD, CDS e PS justificavam com o combate ao terrorismo e criminalidade organizada.

Recusando claramente falar sobre alterações à lei das competências, para António Rodrigues “o relevante é a capacidade de as pessoas do conselho de fiscalização se entenderem” sobre como devem funcionar os serviços – têm que ser “sérios, íntegros e eficazes” e as “melhorias poderão vir a ser sempre equacionadas”, limitou-se a dizer.

A única voz dissonante sobre a importância do Conselho de Fiscalização foi a do comunista António Filipe, que recordou que o partido já propôs várias vezes a extinção deste órgão por se ter provado, ao longo dos anos, “a sua ineficácia”, e por funcionar como um bloqueio da acção de fiscalização directa da Assembleia da República sobre os serviços secretos, impedindo-a mesmo de cumprir esse preceito constitucional. Ao que Neto Brandão replicou dizendo que o CFSIRP é “fiscalizado pela AR e fiscaliza em nome da AR”.

António Filipe recordou que, sempre que houve “escândalos”, o conselho de fiscalização “reagiu tarde e a más horas, negando mesmo” as evidências de como as ilegalidades tinham ocorrido. “Foi preciso que o SIED [Serviço de Informações Estratégicas de Defesa] fosse levado a tribunal acusado de crimes para que o conselho viesse reconhecer que algo correu mal, sem ter havido sequer processo disciplinar.”

O deputado considera que não se tratou de falta de poderes legais de fiscalização nem de falta meios, mas antes de uma “blindagem dos serviços ao conselho de fiscalização”. E citou o acesso dos espiões a informações pessoais que tem sido confirmado no julgamento do ex-chefe das secretas, Jorge Silva Carvalho, para afirmar que os serviços tiveram uma actuação “gravíssima com cobertura ao mais alto nível”. E avisar que os dois novos responsáveis “têm pela frente um enorme desafio de credibilização do conselho e dos próprios serviços”.

A eleição por voto secreto decorre na sexta-feira e é por maioria de dois terços, mas não trará surpresas, já que a lista foi concertada entre as bancadas do PSD e PS. Filipe Neto Brandão substitui João Soares, que passou a ministro da Cultura, e o dirigente social-democrata António Rodrigues ocupa o lugar do procurador José António Branco. O CFSIRP é presidido pelo social-democrata Paulo Mota Pinto, a quem ainda faltam dois anos de mandato.

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