O (novo) vírus de Zika está a alastrar-se pelo continente americano

O número de recém-nascidos com microcefalia aumentou muito no Brasil e pode estar associado ao vírus de Zika, que chegou ao país em Maio de 2015. Depois do vírus do ébola, esta é uma das novas ameaças mundiais.

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Mosquitos Aedes aegypti criados no Instituto Biomédico de São Paulo, no Brasil: estes mosquitos transmitem o vírus de Zika Nelson Almeida/AFP

Há um ano, o vírus de Zika ainda não tinha chegado ao Brasil. Nessa altura, o agente patogénico que se transmite na picada de mosquitos do género Aedes já estava em franca expansão. Em 2007 tinha chegado à Micronésia, em 2013 à Polinésia Francesa, em 2014 à ilha da Páscoa, no Chile, e em Maio de 2015 aterrou no Brasil. Estima-se que, entretanto, já tenha infectado entre 440.000 e 1.300.000 pessoas no Brasil, segundo um comunicado do Instituto Pasteur, que anunciou nesta semana ter sequenciado o genoma deste vírus.

Apesar de três quartos das pessoas infectadas serem assintomáticas e os sintomas, quando surgem, serem só febre e erupções cutâneas, alguns doentes já tiveram complicações neurológicas devido à infecção. No entanto, o que está a preocupar verdadeiramente as autoridades do Brasil é o aumento substancial de recém-nascidos com microcefalia, bebés que nascem com uma cabeça muito mais pequena do que a média, indicando problemas no desenvolvimento do cérebro durante a gestação.

Segundo os dados do Ministério da Saúde brasileiro, há já 3530 casos suspeitos de microcefalia, citava na terça feira o jornal brasileiro Folha de São Paulo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) ajuda a contextualizar o número. Enquanto em 2010 nasciam no Brasil 5,7 crianças em cada 100.000 com microcefalia, a 30 de Novembro de 2015 o número já tinha saltado para as 99,7 crianças, lê-se num Alerta Epidemiológico da OMS de Dezembro. Em alguns daqueles casos, foram detectados vestígios do vírus de Zika.

Num relatório de Novembro último, as autoridades de saúde da Polinésia Francesa assinalaram também uma subida anormal dos casos de malformações no sistema nervoso dos bebés nascidos no biénio 2014-2015, coincidente com o surto de vírus de Zika, explica a OMS. Apesar de ainda não se ter provado que o vírus causa a microcefalia, pensa-se que é no primeiro trimestre de gestação que os fetos estão mais vulneráveis ao vírus. E no Brasil, que em Dezembro último declarou o estado de emergência e que em Agosto deste ano vai acolher os Jogos Olímpicos, aconselhou-se às mulheres grávidas evitarem as picadas de mosquitos.

Este vírus foi isolado pela primeira vez em 1947, num macaco rhesus oriundo da floresta de Zika, no Uganda. No ano seguinte, o vírus foi encontrado em mosquitos Aedes africanus. Em 1968, isolou-se o vírus numa pessoa na Nigéria e entre 1951 e 1981 detectaram-se anticorpos do Zika em pessoas de países africanos (como o Uganda, a Tanzânia e o Egipto) e também de países asiáticos (como a Índia, a Malásia e a Indonésia). Os anticorpos revelam que as pessoas estiveram em contacto com o vírus.

O Aedes aegypti, responsável pela transmissão do vírus da febre dengue e do vírus da febre-amarela, é também vector do vírus de Zika. O mosquito é endémico em quase toda região tropical, e pode migrar para novas regiões, como aconteceu em 2012, na Madeira, que infectou milhares de pessoas com a dengue. Em Novembro de 2015, o Zika já tinha sido identificado noutros países da América Latina, como El Salvador, o México e a Venezuela. A 21 de Outubro, as autoridades de saúde de Cabo Verde também informaram a OMS de um surto de Zika no arquipélago.

Tanto o vírus de dengue como o da febre-amarela e o Zika pertencem ao género Flavivirus. Dos três, o Zika é o menos agressivo. Os casos mais graves poderão indicar que o vírus se terá tornado mais patogénico. Até agora nunca se tinha associado o vírus a casos de microcefalia.

“Será que estas malformações são causadas só pelo Zika ou pela co-circulação de outras infecções ou ainda por outros factores?”, questiona Dominique Rousset, directora do Laboratório de Virologia do Instituto Pasteur na Guiana Francesa, no comunicado, explicando que a sequenciação do genoma do vírus é um ponto de partida para compreender como ele se irá comportar no futuro.

Segundo a cientista, está-se a desenvolver métodos para facilitar o diagnóstico do Zika, um utensílio essencial para ter um retrato mais real da infecção no terreno. Com a epidemia do vírus de ébola, que em 2014 e 2015 afectou alguns países do Oeste africano, as autoridades de saúde mundiais testemunharam o perigo de se deixar uma doença tão perigosa como o ébola ficar fora do controlo. Por isso, a vigilância do Zika tornou-se ainda mais prioritária.

Bactéria que veio dos solos
Outra infecção que está a preocupar as autoridades é a melioidose, causada pela bactéria Burkholderia pseudomallei, original de solos do Norte da Austrália e do Sudeste asiático, que pode estar a matar 89.000 pessoas por ano, de acordo com a estimativa num estudo publicado agora na revista Nature Microbiology.

“A melioidose é um óptimo imitador de outras doenças e é necessário um bom laboratório de microbiologia”, disse à Reuters Direk Limmathurotsakul, microbiólogo da Universidade de Mahidol na Tailândia, um dos autores do estudo, em que se estimou a existência de cerca de 165.000 infecções por ano. “A doença afecta especialmente os pobres rurais nos trópicos, que muitas vezes não têm acesso a estes laboratórios.”

Não existe nenhuma vacina para a melioidose, que causa febre, tosse, dores no peito e nas articulações e pode ter um período de incubação de anos. A bactéria pode ser exportada para outras regiões do globo, tornando-se endémica nos solos. As maiores zonas de risco são o Sul e Leste da Ásia, a África subsariana e a América do Sul.

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