Hospitais privados queixam-se à Comissão Europeia por causa das misericórdias

Em causa estão protocolos do Estado com oito misericórdias para a realização de consultas e operações.

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Privados acusam Estado de não exigir às misericórdias o mesmo que exige às unidades lucrativas Diogo Baptista

Porque considera que foi posto em causa o “princípio da livre e franca concorrência”, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) entregou uma queixa na Comissão Europeia contra o Estado português. Em causa está a relação deste com as misericórdias. Desde logo, o facto de o anterior Governo ter contratualizado com estas instituições a realização de consultas e operações sem ter aberto qualquer concurso que permitisse ao sector privado candidatar-se a prestar esses serviços.

Um dia depois de ter sido conhecido que o Governo recém-empossado anulou a transferência de dois hospitais estatais (Santo Tirso e S. João da Madeira) para o terceiro sector a associação presidida por Artur Osório, administrador do Grupo Trofa Saúde, tornou pública a queixa entregue na comissão.

O texto começa por recordar que “em 27 de Março de 2010 foi celebrado um protocolo de cooperação entre o Ministério da Saúde e a União das Misericórdias Portuguesas que visava regular os termos e condições” do acesso dos utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) à prestação de cuidados de saúde nas instituições e serviços pertencentes às santas casas de misericórdia.

Esse protocolo, diz-se, “representa uma forte restrição do princípio da livre e franca concorrência e, nessa medida, uma clara violação do princípio da liberdade de escolha, em total desrespeito pelos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.

Para a APHP, a partir do momento em que o Estado, face às insuficiências do SNS, decide encaminhar doentes que não consegue tratar para os prestadores de cuidados de saúde de natureza social, “sem fazer passar o critério decisório pelas regras do mercado mediante concurso” não há “qualquer respeito pela iniciativa privada” nem pela “liberdade de escolha do cidadão esclarecido”.

A gota de água, para a associação, foi o facto de “a dois meses das eleições” o Governo ter assinado “protocolos com oito misericórdias para a realização de consultas e operações no valor de 25 milhões, só em 2016”. Um protocolo que, diz o texto, deverá vigorar pelo prazo de cinco anos e envolverá no total 125 milhões de euros.

A associação contesta por fim a transferência de hospitais para as misericórdias a quem Artur Osório acusa de terem entrado “num negócio”, tendo o Estado “como principal financiador”. E afirma que o sector não só não se sujeita às mesmas regras de licenciamento dos privados, como “não é alvo de auditorias”. E há casos, diz, em que se “cobram comparticipações adicionais aos utentes (para além das devidas taxas moderadoras e dos preços convencionados) com fundamento na alegada, mas nunca comprovada, necessidade de sustentabilidade do sector social”.

Questionado pelo PÚBLICO, Manuel de Lemos, presidente da União das Misericórdias, diz que o facto de não ter havido concurso foi uma opção do Estado justificada pela utilidade social das misericórdias. Em relação aos restantes argumentos apresentados pela APHP — nomeadamente a ideia de que são cobradas comparticipações adicionais — diz apenas: “É tão desconectado da realidade que não comento.”

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