A ciberdemocracia

Apesar do triunfo da Internet, a ideia de um espaço público crítico e democrático continua a ser moldada pelos media de massa clássicos, especialmente os grandes jornais.

A relação entre o ciberespaço e espaço público tradicional é vista, muitas vezes, sob o signo da rivalidade ou até da exclusão, por mais que tenha sido aprendida esta velha lição: o aparecimento de uma nova tecnologia de comunicação não faz desaparecer as antigas, os diferentes espaços comunicacionais não deixam de existir simultaneamente e de responder uns aos outros. Mas é hoje evidente para todos que a Internet afectou a configuração do espaço público e já há algum tempo que começaram a ser estudados os efeitos políticos de um uso generalizado das plataformas digitais. Todos conhecemos, aliás, duas versões completamente opostas da configuração do espaço público na época cibernética: há, por um lado, a versão utópica, que traça um cenário de transparência da informação e do saber, de horizontalidade democrática e de emancipação. Em certos casos, o imaginário utópico que envolve a Internet levou alguns a ver nela uma utopia radical em curso, prefigurando um mundo em que as barreiras entre emissor e receptor, entre autores e públicos, desapareceriam em favor de uma perfeita igualização e de uma incessante interactividade entre cibercidadãos. Por outro lado, temos a versão catastrófica, que insiste na ideia de que triunfa a apatia e se acelerou a passagem de uma cultura discutida (e, portanto, crítica) a uma cultura consumida, feita de uma mistura de informação e divertimento (o “info-espectáculo"). Algumas leituras fundamentais nesta área de estudos (que tende a autonomizar-se como disciplina) deixam-nos perceber que há uma insistência neste ponto: a web representa para o espaço público – para a “publicidade crítica” que Habermas opõe à “publicidade de manipulação” ao mesmo tempo avanços e recuos. Uma ideia que se impôs é a de que a Internet veio acentuar (mas não inaugurar) uma tendência “patológica” que marca uma “evolução falhada” do espaço público. A ideia de uma evolução falhada parece indicar que o potencial de emancipação do espaço público teria sido traído ao longo da sua evolução. Se na modernidade se assistiu a uma hegemonia cultural de grupos dominantes nas arenas públicas, hoje já não é possível prosseguir as antigas estratégias de hegemonia cultural, mas, em contrapartida, há um processo de engendramento de uma massa despolitizada que eclipsa mesmo a ideia de “público” e de “opinião pública” esclarecida, herdada do Iluminismo. A campanha presidencial a que estamos a assistir mostra bem o que significa uma democracia plebiscitária em que tudo se reduz à teatralização da esfera política. O ciberespaço revela-se assim na sua dupla face: factor de novas emancipações, ao mesmo tempo que promove alienações e patologias sociais inéditas. Os paradoxos desta nova condição do espaço público na época da “ciberdemocracia” podem ser apreendidos no exemplo dos comentários que os leitores escrevem no espaço que lhes é reservado nas páginas on-line dos jornais. Não há nada de mais democrático e interactivo, uma contínua discussão crítica estava assim prometida. Mas o que ganhou preponderância foi o insulto e a tagarelice. Aquele espaço de discussão, na maior parte das vezes, anula-se nos seus objectivos. Em vez de ser um factor de correcção das “patologias” mediáticas, é uma acentuação das suas perversões patológicas. De tal modo que muitos, os mais aptos a contribuir para o alargamento de um espaço público esclarecido, se afastam.

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