Projecto para Segunda Circular é “operação cosmética”, avisa ex-vereador da Mobilidade

Nunes da Silva diz que não é por se plantarem umas árvores que problema rodoviário será resolvido

Foto
Rui Gaudêncio

O ex-vereador da Mobilidade da Câmara de Lisboa Fernando Nunes da Silva considera que a requalificação proposta pela autarquia para a Segunda Circular é “uma operação de cosmética” para “disfarçar o caos” do trânsito, defendendo intervenções nos acessos à via.

“Trata-se fundamentalmente de uma operação de cosmética dentro daquilo que se pode considerar uma intervenção no espírito do politicamente correto, para disfarçar o caos em que se transformou o trânsito em Lisboa no último ano”, acusa o deputado municipal dos Cidadãos por Lisboa (eleitos nas listas socialistas) e catedrático do Instituto Superior Técnico nas áreas do Urbanismo e Transportes. “Não é por se plantarem umas árvores que se resolve o problema do trânsito”, observa, acrescentando que “não é possível imaginar retirar o tráfego da Segunda Circular sem terem sido concluídas outras intervenções na rede da cidade de Lisboa”.

No entender deste especialista, os grandes problemas da Segunda Circular são os nós de entrada e saída, “que foram encavalitados uns em cima dos outros”. “Estão mal desenhados e isso é que provoca o congestionamento”, diz. De acordo com Nunes da Silva, no anterior mandato do PS à frente da Câmara de Lisboa chegou a haver um projeto para a Segunda Circular que “não custava sequer dois milhões de euros” e permitia fazer uma reformulação. Nunca avançou porque “se dizia que não havia dinheiro”.

A maioria socialista na câmara propõe agora investir dez milhões de euros na reabilitação desta via, tendo com objectivo diminuir o tráfego de atravessamento através da reformulação de alguns acessos e dos nós de ligação ao IC19 e à A1, encaminhando o trânsito para a Circular Regional Interior de Lisboa. A intervenção, que está em consulta pública no site da autarquia até à próxima sexta-feira, prevê a criação de um separador central arborizado com 3,5 metros de largura, a redução da largura das vias para 3,25 metros e a montagem de barreiras acústicas junto às casas.

Está ainda planeada a reabilitação da drenagem, a renovação da iluminação pública e da sinalética e a redução da velocidade, de 80 para 60 quilómetros hora.

Segundo a câmara, “a empreitada anterior não era de requalificação da Segunda Circular, mas apenas uma empreitada de manutenção correctiva de pavimentos, com introdução de uma nova camada de desgaste e substituição de separadores, nos sectores mais deteriorados”. Já aquela que foi agora anunciada é “estrutural e de requalificação nos diversos elementos da via”. 

O município quer que as obras se iniciem no primeiro semestre deste ano e durem 11 meses. “O faseamento construtivo foi cuidadosamente estudado e a obra decorrerá em período nocturno, pelo que, nos períodos diurnos de maior utilização, manter-se-á o [mesmo] número de faixas em funcionamento”, assegura.
Para o presidente do Automóvel Clube de Portugal, Carlos Barbosa, este projecto “prejudica quem se move em Lisboa”, já que visa tornar a Segunda Circular “numa avenida”. E prometeu avançar com uma providência cautelar caso a requalificação avance da forma como está pensada.

Engenheiros e arquitectos a favor

Organismos representativos dos engenheiros, arquitectos e paisagistas defendem que o projecto para a Segunda Circular é uma boa solução, porque incide sobre uma via “desurbanizada” a necessitar de intervenção. 

“Penso que é uma boa solução. É uma solução que integra muito bem aquela zona, que ainda está um pouco desurbanizada, chamemos-lhe assim, em termos daquilo que é o conceito moderno de urbanismo, e agora vai ser melhorada com a introdução destes conceitos que forçosamente a vão tornar mais apelativa”, declara o bastonário dos Engenheiros, Carlos Matias Ramos. 

João Costa Ribeiro, do Conselho Directivo Regional Sul da Ordem dos Arquitectos, recorda que, desde a sua construção na década de 1960, a Segunda Circular já teve carácter de avenida e de via rápida, apresentando como “deficiências desta herança” o facto de ter “demasiados acessos”. No seu entender, essas fragilidades “podem ser corrigidas com a proposta”, uma vez que algumas das 31 entradas e saídas existentes num percurso com 10 quilómetros vão ser revistas.

Já o presidente da Associação Portuguesa de Arquitectos Paisagistas, Miguel Braula Reis, refere que a inclusão de vegetação num largo separador central “é benéfica”, assim como a “nova concepção” da via.”De um modo geral vemos este projecto como benéfico para a paisagem e o ambiente da cidade de Lisboa”, comenta. O presidente da Associação de Urbanistas Portugueses, Luís Pedro Cerqueira, considera que o projecto “dá passos no sentido de humanizar a cidade”. Mesmo assim, a via não vai tornar-se urbana, mas sim qualquer coisa intermédia “entre uma via rápida e uma alameda urbana”, ressalva. 

PSD e CDS vão votar contra

Os vereadores do PSD e CDS-PP vão votar contra o projecto da autarquia para a Segunda Circular caso ele não sofra alterações, por considerarem que foi feito “à pressa” e terá impactos negativos na circulação automóvel. 
“Estamos muito cépticos e preocupados com a falta de previsão do impacto que a intervenção vai ter e, nesse sentido, faremos oposição à proposta”, diz o social-democrata António Prôa. Para o autarca, a proposta está “pouco amadurecida”, tendo apenas em vista que as obras estejam “concluídas antes das eleições” autárquicas de 2017. 

Também para o centrista João Gonçalves Pereira há “uma pressa desmedida para cumprir um calendário eleitoral”. Acresce que existe “um problema de legitimidade programática”, pois o projecto “não estava no programa eleitoral” do PS, razão pela qual votará contra. “Estamos, mais uma vez, perante um experimentalismo socialista que brinca com a vida dos lisboetas”, observa o autarca. 

Pelo PCP, Carlos Moura considera que esta é uma “proposta bastante complexa”, por existirem “poucas alternativas” à Segunda Circular. “A mudança de perfil é uma coisa que não podemos deixar de olhar com simpatia, mas ao mesmo tempo temos a preocupação de saber como é que se resolve esse problema” do trânsito, assinala o comunista, frisando a necessidade de haver uma rede de transportes públicos adequada. Este partido deverá abster-se na votação da proposta. 

Sugerir correcção
Ler 9 comentários