Conselho Nacional de Educação defende exames no 6.º e 9.º ano

Parecer do CNE só foi pedido pelo parlamento após ter sido votado o fim dos exames do 4.º ano, o que condicionou as recomendações deste órgão consultivo, frisou o seu presidente, David Justino.

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O sistema de avaliação "precisa de estabilidade para que seja previsível e de credibilidade para que suscite confoiança", defendeu David Justino NFACTOS/Fernando Veludo

O Conselho Nacional de Educação (CNE) defende a manutenção dos exames no final do 6.º e 9.º ano de escolaridade, embora alterando as condições em que se tem realizado a prova do 2.º ciclo. Quanto aos exames do 4.º ano, como a sua realização já foi eliminada por decisão do parlamento, o CNE propõe que sejam substituídos “por provas de aferição sem qualquer ponderação na classificação final dos alunos, mantendo-se o seu carácter obrigatório e universal”, como já tinha sido norma a partir de 2007 até à introdução do exame, em 2013.

Estas são algumas das recomendações que constam de um parecer sobre a avaliação no ensino básico, que aprovado nesta quinta-feira pelo CNE. O parecer foi pedido pela Assembleia da República, onde se encontra pendente um projecto de lei do PCP que propõe também o fim dos exames no 6.º e 9.º ano.  O novo ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, já anunciou que apresentará esta semana um novo modelo de avaliação dos alunos, que poderá passar pela manutenção de um só exame no ensino básico, o do 9.º ano.

Em conferência de imprensa realizada nesta quinta-feira, o presidente do CNE, David Justino, lembrou que o parlamento só pediu o parecer deste órgão depois do fim dos exames do 4.º ano, já em 2016, ter sido aprovado pela maioria dos deputados. “Pronunciámo-nos sobre uma situação que em parte já estava consumada, o que constituíu uma condicionante”, frisou.

A não ter sido assim, provavelmente o CNE ter-se-ia pronunciado pela manutenção dos exames no final do 4.º ano, embora alterando os cinco constrangimentos principais que foram identificados nas audições às 25 escolas e agrupamentos que promoveu para a elaboração deste parecer. “Não se deve eliminar sem saber o que se põe lá a seguir”, criticou David Justino, que foi ministro da Educação do PSD entre 2002 e 2004, adiantando que para o CNE esta votação do parlamento faz parte do tipo de “decisões casuísticas” que devem ser evitadas na educação, mas que têm sido uma constante nas últimas décadas.

Justino remeteu, a propósito, para o relatório técnico que serviu de suporte ao parecer do CNE onde, entre outras abordagens, se faz um levantamento dos normativos legais aprovados desde 2000 sobre a avaliação dos alunos e que ultrapassam as duas dezenas. “É uma listagem enorme que mostra que estamos sempre a alterar o sistema. Não podemos continuar com esta prática porque um sistema de avaliação precisa de estabilidade para que seja previsível e de credibilidade para que haja confiança. Se não existirem estes dois vectores, o sistema não funciona”, declarou.

O CNE apela, por isso, a que se proceda a uma “consolidação normativa dos diplomas que regulam a avaliação das aprendizagens com base num compromisso político alargado”, interrompendo-se assim a tradição de mudar tudo a cada mudança de Governo.  Recomenda também que se passe a fazer o que não tem sido feito, devendo qualquer alteração  “ser sustentada sobre a avaliação criteriosa dos modelos, no debate alargado e atempado das alternativas e na auscultação dos agentes directamente envolvidos, as escolas, os professores, as associações de pais e as instituições que produzem conhecimento sobre o sistema educativo nacional”.

É preciso avaliar
Com base tanto na experiência nacional, como internacional, o CNE, que é um órgão consultivo do Governo e do parlamento, defende o seguinte como ponto basilar de qualquer modelo que venha a ser adoptado:  “ a avaliação externa das aprendizagens, de carácter universal e obrigatório, deverá ser um princípio a respeitar, ao longo de toda a escolaridade obrigatória, particularmente nos momentos de transição de ciclo, independentemente do tipo de provas a aplicar e dos respectivos impactos nas classificações dos estudantes”.  Ou seja, seja sob a forma de exames, que contam para a nota final, ou de provas de aferição, que não têm peso nesta classificação, “é decisivo ter elementos de avaliação externa que permitam aferir quais as aprendizagens dos alunos”, frisou Justino.

Ao contrário do que se passa com a avaliação feita pelos professores, estes exames ou provas são elaborados por um organismo exterior às escolas, sendo os mesmos testes realizados por todos os alunos do ano de escolaridade em causa. Feitas as contas, o CNE considera que existem mais vantagens nesta avaliação externa do que desvantagens, já que “o contributo dos exames/ provas finais do ensino básico para a retenção escolar não é relevante” e que esta permitiu, por outro lado, “uma nova cultura escolar mais orientada para a prossecução de objectivos e sustentada em práticas de auto-avaliação, onde a análise e reflexão sobre os resultados escolares constituem prática cada vez mais generalizada”.

Indo por partes, comparando os resultados ao longo dos 10 anos da existência de exames no básico ( começaram em 2005 no 9.º ano, alargaram-se ao 6.º ano em 2012 e ao 4.º em 2013), o CNE chegou à conclusão de que a proporção de alunos que ficou com nota negativa na sequência da realização destas provas, que contam 30% para a nota final, se situa ente 0,3% e 1,9% do total. Conclusão: os exames têm “um efeito residual na classificação dos alunos”. Diz ainda o CNE que se o seu peso na classificação final passasse de 30% para 25% “seria o suficiente para eliminar, por completo, o impacto negativo de uma má classificação nas provas finais”. Esta mudança não figura, contudo, entre as recomendações apresentadas pelo CNE.

No ano passado, o CNE considerou que a elevada percentagem de chumbos é um dos problemas principais do sistema educativo português, que atribuiu à persistência de uma cultura da retenção”.  Nesta quinta-feira, David Justino frisou que as notas dadas pelos professores ( avaliação  interna) “contribuem mais para a retenção do que os exames”. “Os anos com maiores percentagens de retenção são aqueles em que não se realizam exames”, especificou, acrescentando que não existe evidência estatística que permita concluir que tal se passa porque as escolas tendem a deixar para trás os alunos que sabem que irão ter  piores resultados nas provas.

No seu parecer, o CNE lembra, a este respeito, que “as elevadas taxas de retenção em anos que não são terminais já existiam antes da generalização das provas finais”.  Seja como for, para evitar a tentação de afastar dos exames os estudantes com resultados mais fracos, o CNE defende ser “necessário garantir o aceso de todos os alunos à realização das provas de final de ciclo”.

O que deve ser mudado

Por outro lado, assinala o CNE, a avaliação externa tem levado a um maior “trabalho colaborativo entre professores de diferentes ciclos, à partilha de boas práticas na promoção do sucesso escolar, e a uma maior responsabilização na concretização da missão das escolas perante a comunidade envolvente”.  Estes são alguns traços do que chama a “nova cultura escolar”.  Também se constata, acrescenta o CNE, “uma maior motivação e responsabilização dos alunos no cumprimento dos objectivos de aprendizagem e “um maior envolvimento e escrutínio dos pais na vida escolar dos filhos”.

Quer isto dizer que o sistema é perfeito? A resposta é negativa. Na sequência dos testemunhos que recolheu as escolas, o CNE identificou cinco constrangimentos principais na organização dos exames do 4.º e 6.º ano, que a serem alterados permitiriam a sua manutenção com melhores resultados. Entre eles figuram o facto destas provas se realizarem em Maio, antes do final do ano lectivo, o que “constitui um factor de perturbação para a vida das escolas”;  o de obrigarem muitos alunos a realizá-las fora da sua escola de origem, sendo esta deslocação “um factor de perturbação do seu comportamento”;  e também a sua aplicação por igual aos alunos com Necessidades Educativas Especiais, o que limita o “exercício dos princípios de inclusão e igualdade de oportunidades”. 

Mas, adianta o CNE, existe ainda outro impacto indesejável da avaliação externa, que é “generalizadamente reconhecido” – o chamado “estreitamento curricular”. No ensino básico só existem exames às disciplinas de Português e Matemática. Nos últimos dois anos, no 9.º ano, passou também a ser obrigatória uma prova de Inglês. Esta concentração “excessiva” tem sacrificado e limitado “o desempenho em áreas tão importantes como a literacia científica, as expressões ou as ciências sociais e humanas”, situação que também deriva não só da existência dos exames, como da “forma como as escolas se organizam e mobilizam para obterem melhores resultados”.

Para ultrapassar este “estreitamento”, o CNE propõe que se generalize a realização de testes intermédios nacionais nas disciplinas não sujeitas a exame e que no 9.º ano se “pondere a realização de uma prova de avaliação externa visando a avaliação de conhecimentos e competências no domínio da literacia científica”. “É mais importante do que um exame de Inglês”, defendeu Justino.

No geral, frisa ainda ao CNE, importa garantir que “o princípio central no desenvolvimento do sistema de avaliação deverá ser o da finalidade formativa”. Dito de outro modo, “avaliar não pode ser entendido como sinónimo simples de castigar, reprimir, discriminar” porque, como resumiu David Justino, “ a avaliação só tem sentido se contribuir para melhorar as aprendizagens dos alunos”.  

 

 

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