São Brás de Alportel, um concelho algarvio na vanguarda das políticas de acessibilidade

Circular em segurança por um passeio com carrinho de bebé ou atravessar uma rua com uma cadeira de rodas é um exercício difícil de alcançar nas vilas e cidades portuguesas.

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S. Brás de Alportel aposta na qualidade de vida Virgílio Rodrigues

O aumento do fluxo de turistas pode depender, também, da capacidade das câmaras municipais de porem em prática as normas que ditam as regras de acessibilidades para todos. A mensagem foi deixada pela secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, nesta quarta-feira, em São Brás de Alportel – um concelho algarvio sem praia que inaugurou uma rede de passeios acessíveis com cinco quilómetros. As políticas de inclusão, disse, não se devem ficar apenas pela remoção das barreiras físicas, é igualmente necessário “derrubar as barreiras da mentalidade”. A legislação existe mas não é cumprida nem fiscalizada.

A secretária de Estado, presidente da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal e responsável pelo plano de acessibilidade pedonal de Lisboa de 2010, considera que o problema das acessibilidades em Portugal não reside na falta de regulamentos. “Temos boa legislação, há muita coisa que poderia estar a ser bem feita e não está”, sublinhou. Dois aspectos relevantes para a mudança das mentalidades: “Formação dos técnicos municipais e sensibilização”.

O Algarve é um exemplo do quanto ainda falta percorrer para cumprir as normas de “inclusão” em matéria de acessibilidades. Basta lembrar as dificuldade em circular pelos passeios esburacados e lancis quase intransponíveis para cadeiras de rodas e carrinhos de bebés, até em zonas de hotéis de cinco estrelas. Ana Sofia Antunes – citando o caso de Lisboa, que conhece de perto – lembrou que o sector turístico é “uma das áreas que muito beneficia com o trabalho feito em matéria de acessibilidades”.

São Brás de Alportel é um concelho da beira-serra, apenas com uma freguesia, mas é aquele que no Algarve mais apostou em tornar a vila acessível a todos. O processo, disse o presidente da Câmara, Vítor Guerreiro, começou há 11 anos, “mas ainda há muito por fazer”, admitiu. Do conjunto de trabalhos realizados na vila algarvia, o autarca lembrou que a construção de lombas “não agradou muito aos automobilistas mas é uma questão de se habituarem”, observou. As lombas, explicou, têm muito mais importância do que obrigar a reduzir a velocidade - funcionam como passadeiras acessíveis.

A governante aproveitou a ocasião para apelar aos autarcas que vejam “estas imagens [São Brás de Alportel] e possam entusiasmar-se” de forma a repetir o exemplo.

Por pressão dos operadores turísticos e da opinião pública estrangeira, a Região de Turismo do Algarve chegou a encomendar um plano de acção de acessibilidades para região, tomando como referência o trabalho realizado em Lisboa. O que se seguiu foram apenas intervenções avulsas nalguns concelhos. Dois exemplos: Albufeira, no âmbito do programa Polis, introduziu algumas melhorias e Vilamoura requalificou a zona envolvente à marinha. Por isso, o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve-Amal, Jorge Botelho, destacou a obra de São Brás de Alportel como sendo um acto “extremamente simbólico” em contraste com o que se passa no resto da região, incluindo Tavira a que preside.

A governante, depois de percorrer um troço da rede pedonal até à Avenida da Liberdade, lembrou que não é a praia o que mais atrai os turistas nesta época do ano. “Há muitas outras belezas naturais que querem ver”, enfatizou. Nesse contexto, a obra inaugurada, disse, representa uma mais-valia por ser de um território que é “amigo do peão”

Calçada à portuguesa, um perigo
Sobre as soluções para melhorar as acessibilidades, a secretária de Estado não fugiu a uma questão que tem gerado muito debate em Lisboa: A calçada à portuguesa, diz Ana Sofia Antunes, é um pavimento bonito “mas quando está degradado, muito facilmente potencia as quedas e as lesões – para além de ser caro, em termos de construção e manutenção”. Por conseguinte, defendeu soluções alternativas que passam por “conjugar a calçada com outras soluções que sejam mais amigas do peão”.

Além da formação e da sensibilização para que as políticas de acessibilidades entrem no quotidiano, a governante chama a atenção para a parte menos simpática. “A partir de determinado momento, face a comportamentos reiterados, temos de começar a fiscalizar”.

Ana Sofia Antunes registou com agrado a mudança de mentalidades que se verificou no país, em matéria de acessibilidades, nos últimos 15 ou 20 anos, todavia acha que ainda há muito a percorrer para corrigir erros e evitar que se repitam. Tudo o que é obra feita de novo, sublinhou, “não custa mais pelo facto de ser acessível, corrigir aquilo que é mal feito, isso sim, custa dinheiro que, efectivamente poderia ser poupado”. No quadro dos novos fundos comunitários, através do programa “Territórios Inclusivos [antes designado por RAMPA], afirmou, vai ser dada prioridade à “execução de obra que é aquilo que até agora não tem sido possível fazer”. O Decreto-Lei 163/2006 é o instrumento que serve de “guia de acessibilidade e mobilidade para todos” na apreciação e aprovação dos projectos públicos e privados. 

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