FC Porto contratou serviços de segurança a empresa que estava impedida de os prestar

Sociedade substituía rapidamente seguranças sempre que estes se envolviam em agressões nos estabelecimentos de diversão nocturna. O cliente de um bar acabou morto em Março passado.

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A empresa de segurança é olhada pelo Ministério Público como uma espécie de máfia Nélson Garrido

A empresa SPDE - Segurança Privada e Vigilância em Eventos, cuja actividade está no centro do processo conhecido como Operação Fénix, que resultou na acusação do presidente da SAD do Futebol Clube do Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa e do director-geral da mesma, Antero Henrique, contratualizou com o FC Porto serviços de acompanhamento e de segurança pessoal que estava impedida de prestar, por falta de alvará.

A acusação refere que um contrato assinado em 2014 entre a SPDE e a SAD do Porto inclui a “prestação de serviços de segurança aos membros” daquele sociedade.Tal não aconteceu apenas com o FC Porto, mas também com a Federação Académica do Porto, que contratou a mesma empresa para garantir a segurança da Queima das Fitas da cidade.

Desde 2011 que vários dos arguidos que integravam a empresa de segurança acompanhavam com frequência Pinto da Costa e familiares seus aos jogos e a outros eventos para o protegerem, apuraram os investigadores. A 18 de Maio passado, já passava da meia-noite, a fim de o protegerem de desacatos que pudessem ocorrer junto ao Estádio do Dragão após um desafio de futebol, devido ao descontentamento dos adeptos com os resultados da equipa, Antero Henrique também beneficiou dessa protecção. Era de resto ele, de acordo com a acusação, quem estava encarregue de efectuar o pagamento deste tipo de serviços por parte do clube, embora de forma encapotada.

O Ministério Público imputa a Pinto da Costa sete crimes de exercício ilícito de segurança privada, por contratar serviços de protecção pessoal a uma empresa que saberia não estar licenciada para os prestar. O mesmo terá acontecido com Antero Henrique, a quem a acusação imputa seis destes crimes. Os dois dirigentes portistas incorrem numa pena de prisão até quatro anos ou numa pena de multa até 480 dias por cada um dos ilícitos.

Mas os serviços de protecção pessoal da firma não discriminavam clubes de futebol: o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, chegou a ser protegido pelos homens da SPDE numa deslocação que fez a Leça da Palmeira em Novembro de 2014. Ao contrário de muitas outras ocasiões, neste dia não houve registo de violência. Mas o teor de algumas conversas registadas ao longo do tempo pelas autoridades entre os dirigentes e os operacionais da sociedade não deixa grandes margens à imaginação: “Mato-os a todos de porrada”, “O Jorge devia-lhe ter arrancado a cabeça logo”, “Esse gajo tem que levar”.

O patrão da empresa, Eduardo Santos Silva, não descurava os contactos com as autoridades, mas também não lhes mostrava grande respeito. Insurgindo-se contra a fiscalização de que um dia estavam a ser alvo os homens ao seu serviço, disse a um chefe da PSP do Porto que, se as coisas continuassem a correr assim, ia mesmo ter de “foder os cornos a um polícia"… porque a sua vontade era "sair à noite com um gorro e foder o focinho a todos”.

Tal como os proprietários dos estabelecimentos de diversão nocturna, também vários clientes destas casas foram sovados. E se mais queixas não apresentaram às autoridades, explica o Ministério Público, foi porque os intimidaram para que o não fizessem. A empresa também mudava frequentemente de local os seguranças depois de estes se envolverem em episódios de violência, para dificultar a sua identificação. A segurança da noite, e a extorsão dos respectivos empresários, a quem impunham os seus serviços e os seus preços, era, de facto, o principal negócio da SPDE, muito mais do que o futebol.

Aparentemente, a Eduardo Santos Silva — ao qual são assacados 22 crimes, incluindo o de associação criminosa e exercício ilícito de segurança privada —, nem sequer interessava muito este desporto. De acordo com um subordinado seu, só mantinha os serviços da firma no Estádio do Dragão por ser segurança privado de Pinto da Costa.

Já depois de parte dos arguidos terem sido presos, familiares seus entraram em contacto com testemunhas deste caso para os tentar convencer a não os denunciarem às autoridades, ou a darem o dito por não dito e retirarem as queixas.

Na acusação do processo, a que o PÚBLICO teve acesso, explica-se a forma como Eduardo Santos Silva (que se encontra em prisão preventiva desde Julho passado) organizava a sociedade — que prestava serviços de vigilância a 329 estabelecimentos de diversão nocturna em todo o país, o que conseguiria através do recurso à intimidação dos donos dessas casas. Em Lisboa, por exemplo, trabalhava para discotecas do Cais do Sodré como o Tóquio e o Jamaica, e para o Plateau, em Santos, recorrendo a homens armados - umas vezes com pistolas, outras com bastões e soqueiras. 

Entre os muitos episódios de violência relatado pela acusação, há o caso de um jovem alcoolizado que foi agredido a 15 de Março do ano passado junto ao Chic Bar, em Famalicão, tendo vindo a morrer uns dias mais tarde no hospital devido a ferimentos na cabeça.

Segundo a acusação, Eduardo Santos Silva fazia “parcerias” com grupos de indivíduos que já estavam estabelecidos em determinadas regiões e conseguia desta forma ir alargando a sua área de intervenção. Na região do Vale do Sousa, onde tinha uma “parceria” com o grupo conhecido como Ninjas, controlava 140 estabelecimentos nocturnos, mais que os 93 clientes que tinha no Grande Porto e os 45 em Lisboa.      

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