Governo acredita na saída do procedimento, mas regras dão pouca esperança

Com o Banif a colocar o défice claramente acima de 3%, o executivo está à espera de um tratamento especial desta despesa. As regras dizem que, na avaliação para o fim do procedimento por défices excessivos, isso não é possível.

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António Costa e Mário Centeno Enric Vives-Rubio

O Governo continua a confiar na flexibilidade de Bruxelas ao avaliar o défice de 2015 e acredita no fim do procedimento por défice excessivo a Portugal, mas as regras orçamentais europeias não dão grande espaço de manobra a uma decisão favorável a Portugal.

Mário Centeno, no dia em que apresentou a proposta de orçamento rectificativo, já tinha defendido que a despesa pública com o Banif “não terá consequências na avaliação” que Bruxelas fizer para determinar se o país sai do procedimento por défice excessivo. E esta terça-feira, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus reiterou a mesma ideia, defendendo que, mesmo com um défice claramente acima de 3% em 2015, “Portugal está em condições de sair do processo por défice excessivo“. Em entrevista ao Diário Económico, Margarida Marques defendeu que “casos como o Banif terão de ter um tratamento especial de Bruxelas”.

Isto é, o executivo acredita que o facto de Portugal poder conseguir registar um défice não superior a 3%, descontando o efeito da operação do Banif, pode ser suficiente para que em Bruxelas se coloque um ponto final no procedimento por défice excessivo, já que a Comissão não olharia para o valor do défice nominal atingido, mas sim para o défice exceptuando a despesa de carácter extraordinário decorrente da resolução de mais um banco em Portugal.

No entanto, esta confiança do Governo, de que será possível convencer as autoridades europeias a esquecerem o impacto do Banif quando estiverem a analisar se o país sai ou não do procedimento por défices excessivos, parece ir em sentido contrário ao que está definido nas regras orçamentais europeias.

No regulamento aprovado pelo Conselho Europeu e em que se definem as regras do procedimento por défice excessivo, e no relatório publicado pela Comissão Europeia em 2013, no qual se detalha a forma como deve ser implementado, é indicado de forma muito clara que para um país poder ser libertado do procedimento é imprescindível que cumpra a meta de défice nominal de 3%, contando com todo o tipo de despesas. A única excepção que é aceite está relacionada com despesas que um Estado tenha no âmbito de uma reforma profunda do sistema de pensões.

Para que não haja espaço para dúvidas, o relatório da Comissão Europeia afirma que o fim de um procedimento por défice excessivo “acontece na base do cumprimento dos objectivos nominais, com a excepção do caso especial das reformas no sistema de pensões” e esclarece mesmo que “o impacto de medidas extraordinárias e temporárias (incluindo as intervenções no sector financeiro) não é deduzido dos valores indicados”.

As regras definem ainda que uma decisão de deixar um país sair do procedimento depende ainda de se considerar provável que o défice nominal continue abaixo de 3% nos anos seguintes, o que, no caso de Portugal este ano significa esperar pela avaliação que será feita por Bruxelas à proposta de Orçamento do Estado que o Governo irá apresentar em meados deste mês. Neste momento, a Comissão está a prever um défice de 2,9% em 2016.

Ainda de acordo com os regulamentos europeus, Portugal pode evitar um agravamento do procedimento pelo facto de não cumprir o objectivo de défice nominal inferior a 3% em 2015, como acordado com Bruxelas, já que é possível adiar a data de cumprimento das metas caso se venha a considerar que o efeito Banif foi um “acontecimento económico adverso inesperado” e que as autoridades portuguesas têm vindo a adoptar acções efectivas para cumprir as metas.

Em resposta às perguntas do PÚBLICO sobre qual o entendimento em relação à aplicação das regras orçamentais europeias neste caso, fonte oficial das Finanças afirmou não ter “nada a acrescentar ao que o senhor ministro já disse sobre essa matéria”.

Aquilo com que ninguém parece discordar é que, em 2015, o défice público nominal será claramente superior a 3% do PIB. Antes da resolução do Banif, o Governo tinha anunciado a aplicação de medidas que permitiriam manter o défice dentro dos limites exigidos pelas regras europeias. Não chegaria aos 2,7% inicialmente previstos pelo anterior Governo mas também não ficaria acima de 3%.

No entanto, o impacto orçamental em 2015 do processo de resolução do Banif é mais do que suficiente para quebrar essa barreira. Embora os números oficiais do efeito nas contas públicas apenas venham a ser conhecidos em Março quando o Instituto Nacional de Estatística (INE) enviar para Bruxelas o relatório do défice e da dívida relativo a 2015, os detalhes da operação revelados pelo Governo e pelo Banco de Portugal apontam para a possibilidade de existência de um impacto que ultrapassar os 3000 milhões de euros.

São quatro as parcelas que contribuem para este número. Em primeiro lugar estão os 1766 milhões de euros de ajuda concedida directamente pelo Estado. Depois há os 489 milhões de euros de despesa realizados pelo Fundo de Resolução, que está dentro do perímetro das administrações públicas.

Existem ainda as duas garantias, uma associada à transferência de activos problemáticos do Banif para a Naviget no valor de 422 milhões de euros e outra à transferência de activos para o Santander Totta no valor de 323 milhões de euros. Neste caso poderá haver algumas dúvidas quanto à sua contabilização no défice, mas o entendimento das autoridades estatísticas tem sido, como no caso do BPN, a da sua inscrição como despesa.

Por fim, há ainda que acrescentar o reconhecimento de 125 milhões de euros de incumprimento do Banif no reembolso do empréstimo feito anteriormente pelo Estado e que deverá contar também para as contas de 2015.

No total, considerando todas as componentes, está um valor equivalente a 1,7% do PIB, que pode fazer disparar o défice em 2015 para 4,7%.

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