O PSD no novo ciclo

Ao PSD, por muita razão (moral e política) que tenha, não basta a força da inércia. Mais até: a inércia não é nem será boa conselheira.

1. A simples passagem do PSD e do CDS à oposição, mesmo tendo vencido as eleições com maioria relativa, representaria sempre e inevitavelmente o começo de um novo ciclo para ambos os partidos. Mas é evidente que o entendimento do PS com a esquerda radical para a formação de um governo minoritário com um suporte parlamentar – ainda que vulnerável e intermitente, como já se vai vendo – consubstancia uma mudança de outro fôlego. Uma mudança que não cabe naquilo a que habitualmente se chama um “novo ciclo”, pois esse satisfar-se-ia apenas com a ideia de simples alternância. A união das esquerdas, mesmo que incongruente e volátil – suspeito até que precária e provisória –, implica que os partidos do centro e da direita repensem cuidadosamente o seu posicionamento estratégico. Este clima de alteração profunda do magma político português acaba, aliás, de ser coroado pela saída de Paulo Portas da liderança do CDS. Também essa saída se apresenta como um repto a todo o espectro político que vai do centro-esquerda ao centro-direita e à direita. Quer se queira, quer não, Paulo Portas era uma das constantes da equação político-partidária. A sua saída – mesmo que contemple a altamente provável possibilidade de um regresso no médio ou longo prazo – modifica substantivamente a paisagem partidária no espaço que vai do centro-esquerda à direita e isso não pode deixar de ser tido em conta.

2. Qualquer que fosse o rumo que o CDS tivesse tomado, com ou sem alteração de liderança, a verdade é que o PSD e o CDS tinham já necessidade estrita de repensarem a sua estratégia e, bem assim, a sua agenda. Mas com a saída de cena de Paulo Portas, o reposicionamento estratégico do PSD torna-se absolutamente imprescindível. Com efeito, o CDS, pelo simples câmbio de liderança, já aparecerá de algum modo equipado para um novo quadro político e partidário. Importa sublinhar que o reposicionamento do PSD – que já por mais do que uma vez foi sinalizado – não significa, de modo nenhum, o abandono dos “activos estratégicos” adquiridos durante os anos do ajustamento. É fundamental saber equilibrar e dosear esses activos – muito centrados na ideia de credibilidade financeira e de responsabilidade orçamental – com uma nova agenda reformista. O PSD tem de continuar a ser o guardião da responsabilidade orçamental, o garante de que o país não volta a pisar os umbrais da bancarrota e da falência. Mas não pode, em caso algum, quedar-se por aí, mumificar-se nesse discurso e nessa atitude. Tem de ousar, como dizem os brasileiros, uma pauta reformista. Uma agenda que seja capaz de constituir uma alternativa ao imobilismo e à paralisia que o Governo do PS vai acabar por protagonizar. Na verdade, entalado como está pelo conservadorismo e até reaccionarismo da esquerda radical, o Governo Costa não terá condições de pôr em marcha qualquer projecto reformista. Fará decerto, como já tem feito e prometeu fazer, a reversão de medidas tomadas no passado no contexto do programa de resgate; a sua agenda nunca será reformista, será apenas e só “reversionista”. O PSD tem de se constituir como alternativa, tem de se “reinventar” como a opção à “política negativa” de mera reversão e aniquilação que o PS e a extrema-esquerda vão corporizar.

3. Muitos perguntarão em que deve traduzir-se esse reposicionamento e essa adopção de uma pauta ou agenda reformista. Antes do mais, deve traduzir-se num balanço, num exercício de análise das políticas prosseguidas entre 2011 e 2015. Assumindo os inegáveis êxitos e fazendo deles critérios de actuação política futura. Mas registando também as falhas e debilidades, procurando estabelecer uma agenda que possa colmatá-las. Na esteira do activo de credibilidade que distingue a governação liderada pelo PSD, deve mesmo fazer-se um balanço sério dos últimos anos.

Sem querer antecipar-me a um exercício que deve ser (também) colectivo e incentivado e produzido dentro do próprio partido, não surpreenderá ninguém dizer que a reforma do Estado, enquanto tal, ficou aquém do esperado e do necessário. Muito sintomaticamente esse foi um encargo que esteve nos ombros de Paulo Portas e de que ele se saiu muito sofrivelmente. Seja como for, essa era uma responsabilidade global do Governo e, por isso, deve ser encarada de frente pelo PSD. Ser capaz de apresentar uma agenda que, com indicação apurada de metas e de meios, modernize e racionalize a administração central; remodele e altere a administração territorial; estabilize e economize a administração institucional e empresarial. Este desígnio já estava, em algum grau, patente no organigrama do governo da coligação saído das eleições de Outubro. Trata-se agora de pôr as ideias no papel, de lhes encontrar a base política e de as converter numa bandeira de governo. Sem esta intenção reformista, neste como noutros domínios – mas ainda mais neste do que em outros –, o PSD não sairá diferenciado nem distinto do partido que salvou Portugal da bancarrota de 2011. O que, sendo meritório, já é politicamente longínquo e não se afigura mobilizador.

4. Para esta tarefa delicada e ingente, é também necessário renovar o pessoal político e ser capaz de atrair mais gente da sociedade civil. É já uma banalidade dizer ou escrever isto, mas nem por isso a banalidade deixa de reproduzir uma verdade. Manter a capacidade de recrutamento e de atracção de gente que pensa bem e que sabe fazer é absolutamente crucial para enfrentar o desafio da geração de uma alternativa mobilizadora ao Governo minoritário PS com o apoio oscilante da extrema-esquerda. Ao PSD, por muita razão (moral e política) que tenha, não basta a força da inércia. Mais até: a inércia não é nem será boa conselheira. 

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