Infraestruturas de Portugal paga indemnização a trabalhador condenado no Face Oculta

Abílio Guedes prejudicou a Refer ao adulterar pesagens de sucata a favor de Manuel Godinho e foi condenado, mas o Tribunal da Relação do Porto considerou que o seu despedimento não foi com justa causa.

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A Infraestruturas de Portugal resultou da fusão da Refer com a Estradas de Portugal Rui Gaudêncio

O ex-ferroviário Abílio Pinto Guedes fazia parte da “rede tentacular” de Manuel Godinho destinada a favorecer as empresas daquele empresário de Ovar à custa do património da Refer. Em troca de um emprego que Manuel Godinho arranjou para a sua filha, Carina Guedes, o encarregado da Refer manipulou pesagens de carris e “permitiu que guias de remessa não fossem assinadas, assim criando condições para que a O2, empresa de Manuel Godinho, viesse a apresentar valores de pesagem substancialmente inferiores”. Ainda segundo o acórdão do tribunal de Aveiro, relativo ao processo Face Oculta, Abílio Guedes “mercadejou com a sua qualidade de funcionário da Refer, em flagrante violação das suas obrigações funcionais e com notório prejuízo para a sua entidade patronal”.

Acusado de corrupção passiva e burla qualificada, os seus crimes somaram cinco anos e três meses de prisão, transformados em cúmulo jurídico, numa pena única de três anos e nove meses de prisão suspensa, segundo o acórdão do tribunal de Aveiro, lido em 5 de Setembro de 2014.

Por esta altura, Abílio Guedes estava desempregado há três anos pois tinha sido despedido da Refer. Na sequência do escândalo do processo Carril Dourado, precursor do Face Oculta, perante as suspeitas de que o trabalhador falsificava pesagens, favorecendo o sucateiro de Ovar, a Refer suspendeu-o de funções em Novembro de 2010 e instaurou-lhe um processo disciplinar que viria a determinar o seu despedimento com justa causa em Maio de 2011.

Este era já o segundo processo disciplinar que lhe fora movido. O primeiro, cinco anos antes, acontecera no âmbito do Carril Dourado quando empresas do grupo de Manuel Godinho furtaram 559 toneladas de carris num troço desactivado da linha do Tua com a cumplicidade de estruturas intermédias da Refer. Nesta altura, Abílio Guedes ficou com uma repreensão registada.

Mas em 2010, e numa altura em que o caso Face Oculta já andava nas páginas dos jornais, o assunto era mais grave. Em 23 de Julho de 2009, na estação da Livração (Marco de Canavezes), uma empresa de Manuel Godinho tinha carregado 327,5 toneladas de carris, mas, com a cumplicidade de Abílio Guedes, só declarou e pagou à Refer o equivalente a 189,3 toneladas. Este e outros factos que lesaram a Refer – e que o tribunal de Aveiro viria a dar como provados – levaram a empresa a despedir o funcionário com justa causa.

Inconformado, Abílio Guedes contestou o despedimento em sede de tribunal de trabalho na comarca de Vila Nova de Gaia, que lhe deu razão. A Refer recorreu, mas perdeu a acção no Tribunal da Relação do Porto, sendo condenada a pagar ao seu ex-funcionário todos os salários entre o momento do despedimento e a data da sentença. Um montante que atinge os 80 mil euros.

Contactada pelo PÚBLICO para esclarecer esta contradição, a Infraestruturas de Portugal (que resultou da fusão da Refer com a Estradas de Portugal) diz: "Estamos perante processos judiciais diferentes, que correm termos em tribunais diferentes e sujeitos a regras processuais diferentes, tendo a sentença no processo de trabalho sido proferida antes de ser conhecido o acórdão do tribunal relativo ao processo crime, o qual não é passível de recurso.” A empresa não esclareceu se esta divergência na sentença do tribunal de trabalho e na do tribunal de Aveiro (que julgou o Face Oculta) se deveu a erros processuais ou a matéria de facto.

“Roubou a empresa e ainda vai receber uma indemnização”, disse ao PÚBLICO um antigo administrador da Refer, que pediu o anonimato. “Antes do Face Oculta ouvíamos muitos boatos sobre as cumplicidades de funcionários nossos com as sucatas, mas era muito difícil provar o que quer que fosse quando abríamos inquéritos ou processos disciplinares. Por isso, quando a Judiciária nos entrava por ali dentro e abria armários e levava papéis e computadores, até ficávamos agradecidos. Eles podiam fazer o que nós não podíamos. E tudo o que fosse para apurar a verdade e castigar os culpados, era bem vindo”, acrescentou.

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